Costuma-se, no Brasil, distorcer fatos quando eles não atendem conveniências ou contrariam interesses. Quando assumiu a presidência da República, na década de 80, José Sarney enfrentou esse problema. Surgiu no Congresso uma proposta de emenda à Constituição reduzindo o mandato do Presidente, na época de seis anos, para quatro anos. Certamente não era conveniente dar um mandato de 6 anos a Sarney, já que ele, além de nordestino, não fora eleito para comandar o país e sim Tancredo Neves. Com toda a força política que reveste o Presidente no início do governo, Sarney reuniu as lideranças políticas e acordou-se em reduzir o mandato de seis para cinco anos. O que toda a imprensa gritou no dia seguinte? "Sarney aumenta o seu mandato para cinco anos!" E todo mundo caiu de pau nele.
As distorções são frequentes, mas volta e meia assume conotações escandalosas. É o caso, agora, da decisão do Supremo Tribunal Federal, que adiou a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições municipais de 2012. Como guardiões da Constituição Federasl, a maioria dos ministros do Supremo entendeu que a aplicação daquela Lei nas eleições passadas feria o artigo 16 da Carta Magna, segundo o qual qualquer alteração do processo eleitoral só pode ser feita um ano depois da publicação da Lei. E a Ficha Limpa foi sancionada apenas quatro meses antes do pleito. Qual foi a manchete de alguns jornais no dia seguinte? "STF libera os fichas-sujas". Ora, apenas para preservar a Constituição e, consequentemente, o estado de direito, o STF decidiu que a Lei só entre em vigor a partir das próximas eleições, o que não significa nenhuma condescendência com os fichas-sujas. Mas para muita gente, que tem preguiça de ler o texto e principalmente de raciocinar, ficou a falsa idéia, estimulada pelas manchetes, de que o Supremo está protegendo os políticos coruptos. E todo mundo caiu de pau no Supremo.
Estou entre os que defenderam, veementemente, a aprovação da Lei da Ficha Limpa, por entender que já era tempo de se fazer alguma coisa para impedir que pessoas corruptas continuassem transitando fagueiras pelo cenário político nacional. No entanto, tal providência salutar deve ser tomada dentro da legalidade do processo democrático, pois de outro modo estaremos defendendo procedimentos próprios de regimes autoritários. Não se pode mudar as regras do jogo em andamento, a não ser em situações discricionárias. Se o desejo de todos é promover uma limpeza no quadro político nacional, então que se impeça o político corrupto de se candidatar, vedando-lhe o registro, não a sua posse depois de eleito pelo povo. Afinal, se "todo o poder emana do povo e por ele será exercido", como reza a Constituição, nenhum grupo de pessoas ou instituição pode contrariar a sua decisão adotada nas urnas, pois isso é o mesmo que rasgar a própria Constituição.
sexta-feira, 25 de março de 2011
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