terça-feira, 13 de maio de 2014

Risco de retrocesso

Em artigo publicado no último domingo, sob o título de “A que ponto chegamos!”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreve na primeira pessoa e afirma, entre outras coisas, que “não agüento mais ler as notícias que entremeiam política com corrupção”. Não apenas ele: ninguém mais agüenta ler esse noticiário tendencioso que tem por objetivo enodoar o governo da presidenta Dilma Roussef e que, precisamente por isso, tem provocado hostilidades a jornalistas nas manifestações de rua, inclusive com a destruição de veículos e outros equipamentos de alguns órgãos da imprensa. Ele próprio reconhece, no entanto, que “algumas vezes, mesmo sem que haja indícios firmes, os nomes dos políticos aparecem enlameados”. E acrescenta: “Basta citar alguém para que o leitor se convença de imediato da sua culpabilidade”. Ele esqueceu de dizer que essa é justamente a intenção desse noticiário. O ex-presidente prossegue, mais adiante, observando que “os escândalos jorram em abundância, não dá para tapar o sol com a peneira. O da Petrobras é o mais simbólico, dado o apreço que todos temos pelo que a companhia fez para o Brasil”. Os escândalos realmente jorram em abundância, mas nas páginas da chamada Grande Imprensa, o que, no entanto, não significa que sejam verdadeiros. E ele sabe disso. Quanto à Petrobrás, FHC tem tanto apreço por ela, conforme disse, que pretendeu privatizá-la durante o seu governo, inclusive tentando mudar o seu nome para Petrobrax, só não o conseguindo porque o seu mandato expirou. Mais adiante, Fernando Henrique atribui essa situação ao “sistema político” e “suas práticas eleitorais e partidárias”. E acentua: “Não é de hoje que as coisas funcionam dessa maneira. Mas a contaminação da vida político-administrativa foi se agravando até chegarmos ao ponto a que chegamos. Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de “presidencialismo de coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. E acrescenta:”Eu nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o preço do mensalão”. Ele admite, assim, que não é de hoje que as coisas funcionam dessa maneira, mas acusa Lula de pagar para ter maioria no Congresso, deixando escapar, talvez inconscientemente, o que fez para conseguir a aprovação da emenda da sua reeleição. Ele deixa bastante claro, mais adiante, porém, os métodos que adotou ao afirmar que o “meu próprio governo precisou formar maiorias. Mas havia um objetivo político claro: precisávamos de três quintos da Câmara e do Senado para aprovar reformas constitucionais necessárias à modernização do país”. A afirmativa em parte é verdadeira. Quando presidente ele precisou da maioria para aprovar a emenda da reeleição, que lhe garantiu mais quatro anos no poder. Esqueceu de dizer, no entanto, que comprou a aprovação da emenda, conforme revela, em todos os seus detalhes, o jornalista Palmério Dória no livro “O Principe da Privataria”, que contém depoimento do ex-deputado Narciso Mendes, do Acre, sobre a compra de votos por R$ 200 mil dos deputados Ronivan Santiago e João Maia. Tal procedimento é próprio de um presidencialismo de coalizão ou de cooptação? É preciso muita cara de pau para acusar os outros de fazer o que ele fez. No final do seu artigo FHC reconhece que “mudar o sistema atual é uma responsabilidade coletiva. Repito o que disse, em outra oportunidade, a todos os que exerceram ou exercem a Presidência: por que não assumimos nossas responsabilidades, por mais diversa que tenha sido nossa parcela individual no processo que nos levou a tal situação, para mudar o sistema?” Infelizmente, quando comandou os destinos do país, ele não se preocupou com isso, focando o seu governo em apenas dois pontos: garantir a sua reeleição e privatizar tudo o que fosse possível nos oito anos de mandato, o que levou o ex-presidente Itamar Franco, seu criador, a dizer: “Houve um momento no governo Fernando Henrique de chegarmos a imaginar o seguinte: só falta deixar o mastro e levar a bandeira”. Retirado das sombras pelo candidato do seu partido à presidência da República, senador Aécio Neves, o ex-presidente Fernando Henrique, que sempre foi o xodó da chamada Grande Imprensa – que o apoiou integralmente durante o seu mandato – resolveu apostar na falsa idéia de que o brasileiro tem memória curta e, encorajado por isso, passou a fazer palestras e a escrever artigos para criticar os seus sucessores, como se ele tivesse feito o melhor governo da história deste pais. A sua sem-cerimônia é surpreendente, mas ele não consegue mais enganar ninguém, muito menos os que já leram o livro de Palmério que, por motivos óbvios, não está na livraria da “Folha”. O jornalista Mauro Santayana, aliás, já alertava, em 2012, nesse livro: “O que temos que ficar atentos é que FHC não é só o FHC. É todo um grupo, um conjunto de interesses contra a nação brasileira”. Por aí já se pode prever o risco que o Brasil correrá diante de uma eventual vitória tucana.

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