terça-feira, 4 de novembro de 2014
Mumia
O bom senso parece que finalmente desembarcou nos principais veículos da chamada grande imprensa que, contrariando procedimentos rotineiros, não deu importância a algumas iniciativas oposicionistas destinadas a desestabilizar o governo da presidenta Dilma Roussef, criando obstáculos à governabilidade do país. Aparentemente os controladores da grande mídia tomaram consciência de que qualquer ação visando a mudança do resultado das urnas, nas eleições de 26 de outubro último, pode descambar para uma situação irreversível de golpe, com enormes prejuízos para todos.
Por isso não tomou conhecimento da ação do PSDB pedindo ao Tribunal Superior Eleitoral uma auditoria no resultado do pleito no segundo turno, o que implicaria numa recontagem de votos. Inconformados com a derrota nas urnas, os tucanos querem conquistar a Presidência da República no tapetão, o que contradiz as suas pregações sobre democracia e ofende a mais alta corte da Justiça Eleitoral, na medida em que levanta suspeitas sobre a lisura do pleito. Com essa atitude irresponsável o PSDB acaba trabalhando também contra os seus próprios interesses, pois a mesma suspeita de fraude pode ser levantada sobre a eleição dos seus governadores.
Na verdade observa-se uma mobilização de forças, liderada pelos tucanos e com a participação de elementos dos próprios partidos que formam a base aliada do governo, para, ignorando a vontade do povo, fazer valer os seus próprios interesses, atropelando a democracia que tanto invocam e tornando o país ingovernável. Acusados de apoiarem o golpe militar de 1964, os grandes veículos de comunicação de massa certamente não pretendem reviver a mesma aventura do passado e, por isso, não avalizam com amplas coberturas os movimentos articulados por setores descontentes com a reeleição da Presidenta.
Isso explica o motivo pelo qual a grande mídia praticamente ignorou a ação dos tucanos junto ao TSE pela recontagem dos votos e, também, a manifestação realizada sábado em São Paulo por cerca de mil pessoas que, com faixas e cartazes, pediam não apenas a derrubada de Dilma mas, também, a volta dos militares ao poder. Oposicionistas no Congresso certamente vão aproveitar o fato para dizer que o povo brasileiro quer Dilma fora do Palácio do Planalto, como se o desejo de mil pessoas fosse maior do que o de mais de 50 milhões que a reelegeram. Desta vez, porém, parece que eles não encontrarão eco na imprensa que, obviamente, não deseja contribuir com essa maluquice de quem não viveu ou esqueceu o período da ditadura e pouco se importa com o futuro do país.
Ao invés de ficar maquinando maneiras de arrancar, através de um golpe, a presidenta Dilma do Palácio do Planalto, para onde foi reconduzida legalmente pela maioria do povo brasileiro, o que os oposicionistas deveriam, em especial os tucanos, era voltar-se para dentro de si mesmos e tentar descobrir onde foi que erraram na corrida para a Presidência da República, de modo a fazer os ajustes de que precisam para uma nova tentativa em 2018. Se fizerem isso vão descobrir que um dos seus maiores erros foi tirar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do sarcófago e colocá-lo diante dos holofotes. Escondido antes por José Serra e Geraldo Alkmin, que sabiam da sua impopularidade, ele ficou eufórico com a gentileza de Aécio Neves e passou a deitar falação, causando enormes prejuízos à candidatura tucana.
Foi ele quem disse, entre outras coisas, que os eleitores de Dilma eram os pobres e ignorantes nordestinos, o que certamente mexeu com os brios dos filhos do Nordeste, que deram a resposta nas urnas. Em artigo publicado no domingo, no entanto, ele atribui ao PT, na maior cara-de-pau, “a invenção de uma batalha dos pobres contra os ricos” e a insinuação de que “a oposição é contra os nordestinos”. Além disso, no mesmo artigo volta a negar as corrupções do seu governo e a reafirmar-se “pai do Plano Real”, mentiras que ninguém consegue mais engolir. O mais grave do seu texto, porém, foi recusar a mão estendida da presidenta Dilma Roussef para o diálogo, ao contrário da posição adotada inclusive pelo próprio Aécio que, a esta altura, deve estar arrependido de tê-lo desmumificado.
O fato é que passada a eleição e proclamado o resultado oficial, os brasileiros de todos os matizes deveriam sair do clima de campanha eleitoral, em especial os líderes partidários, e, sem abandonar suas convicções políticas, contribuir para a pacificação do país. Em toda democracia a oposição é de fundamental importância para vigiar o governo, de modo a garantir que o seu trabalho se desenvolva dentro dos trilhos constitucionais, mas deve ser uma oposição construtiva, mais preocupada com os interesses maiores do país e do seu povo do que com a conquista do poder. A hora é de conciliação nacional. A Presidenta já deu o primeiro passo nesse sentido. Só os maus brasileiros, que não amam o seu país, querem estabelecer o caos, convencidos de que nesse ambiente conseguirão o que mais desejam: o poder.
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