domingo, 16 de novembro de 2014

Conspiração

Será que somente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não suspeitava de onde saíam os vazamentos seletivos da Operação Lava-Jato, que alimentaram a imprensa durante a campanha eleitoral com o objetivo de influenciar o resultado do pleito? Qualquer pessoa de inteligência mediana concluiria que as informações só poderiam sair de alguém presente nos depoimentos dos premiados pela delação, tidos como sigilosos, mas nunca houve qualquer providência dos chefes das investigações, incluindo o juiz, para identificar e punir o responsável ou, pelo menos, impedir os rotineiros vazamentos. Era o óbvio ululante. E a complacência assumiu contornos de conivência. Foi preciso que o jornal “O Estado de São Paulo”, na última quinta-feira, denunciasse o comportamento político dos delegados federais responsáveis pela operação, xingando a presidenta Dilma Roussef e o ex-presidente Lula e fazendo a propaganda de Aécio Neves nas redes sociais, para que o ministro determinasse uma investigação à Corregedoria Geral da Policia Federal. “Não podemos admitir a partidarização de nenhuma investigação”, ele disse, acrescentando: “A manifestação é livre, mas um delegado não pode conduzir uma investigação parcialmente, pelas suas convicções íntimas, nem divulgar informações sigilosas”. Essa providência, na verdade, deveria ter sido tomada desde o primeiro vazamento, que, sob os olhares atônitos dos brasileiros, virou rotina durante a campanha eleitoral, abastecendo de pólvora a mídia oposicionista para continuar atirando contra a candidatura da presidenta Dilma. Surpreendentemente, o governo assistiu apático a essa prática visivelmente destinada a influenciar a decisão dos eleitores, que culminou com a escandalosa reportagem de capa da revista “Veja”às vésperas do pleito, a última cartada para impedir a reeleição de Dilma, que liderava as pesquisas de intenção de votos. Não deixa de ser sintomático, por outro lado, a presteza com que procuradores da República divulgaram nota de “confiança e apoio” aos delegados que trabalham na Operação Lava-Jato, afirmando que “em nosso país, expressar opinião privada, mesmo que em forma de gracejos, sobre assuntos políticos é constitucionalmente permitida”. Não há dúvida de que qualquer brasileiro tem todo o direito de expressar suas simpatias ou antipatias a qualquer candidato a um mandato eletivo, mas o servidor público, especialmente aquele que ocupa um cargo onde o profissionalismo e a isenção são fundamentais para o seu exercício, como magistrados e policiais federais, por exemplo, não podem manifestar publicamente suas preferências políticas, pois isso compromete a confiabilidade do seu trabalho. Sem esquecer os estatutos e regimentos que balizam seu comportamento. Ao comentar a matéria do “Estadão”, em artigo publicado no portal “Observartório da Imprensa”, o jornalista e escritor Luciano Martins Costa disse que a reportagem mostra que "os delegados federais responsáveis pela Operação Lava-Jato compunham uma espécie de comitê informal do candidato Aécio Neves à Presidência da República enquanto vazavam seletivamente para a imprensa dados do inquérito". Ele acrescenta que a revelação expõe "a perigosa contaminação de toda uma superintendência regional da Polícia Federal por interesses externos ao da atividade policial, o que coloca em dúvida a qualificação de seus agentes para conduzir essa investigação, e, por consequência, de todo o noticiário que se seguiu". Vale recordar que no seu governo o presidente Fernando Henrique Cardoso agia com rigor nessas situações, só que ao invés de mandar apurar os fatos denunciados determinava fosse o denunciante investigado. E quando as investigações se aproximavam do Palácio do Planalto trocava o diretor geral da Policia Federal. Ao contrário de FHC, a presidenta Dilma Roussef tem assistido aos vazamentos, criadores de factóides que causam enormes prejuízos ao seu governo, sem uma reação mais vigorosa, capaz de inibir a ação deletéria dos seus adversários que, hoje, autotransformados em inimigos, estão disseminados por toda parte. Percebe-se, sem muita dificuldade, que a conspiração vem ganhando corpo e cercando o Palácio do Planalto. E enquanto os conspiradores agem nas sombras, infiltrados até no Judiciário, os seus líderes intensificam suas ações no Congresso Nacional, onde o principal acólito do candidato derrotado Aécio Neves, o deputado Carlos Sampaio, afirmou que vão infernizar a vida da presidenta Dilma, que não terá paz durante o seu segundo mandato. ”O povo quer de nós vigilância e fiscalização implacáveis sobre esse governo. Não daremos espaço”, ele disse. Constata-se que está em marcha uma udenização do PSDB, com o conseqüente ressurgimento do lacerdismo, onde o que está em jogo não é o interesse do país, mas o poder. Pretende-se conquistar o poder a qualquer preço, mesmo com o sacrifício da própria democracia. Será que Aécio e sua turma imaginam que um golpe lhes daria, na bandeja, o poder que não conquistaram nas urnas? As manifestações de rua que pediram a volta dos militares ao poder, como parte do processo conspiratório, ainda ecoam em ouvidos aparentemente moucos. O silencio dos quartéis pode ter várias interpretações, mas nunca é demais lembrar que os trabalhos da Comissão da Verdade provocaram irritação em altas patentes militares. O fantasma do comunismo, que hoje não assombra mais ninguém, foi substituído pelo bolivarianismo, uma tolice de quem não sabe o que Simon Bolívar representou para a América do Sul. Mas não se deve subestimar o poder das chamadas forças ocultas, internas e externas, que estão atuando intensamente com o decisivo apoio da grande mídia. A reportagem do “Estadão” , portanto, deve servir de alerta ao Palácio do Planalto para o panorama que se desenha no país. Afinal, cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

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