quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Mudança na Justiça
Recentemente a televisão noticiou que a agente de trânsito Luciana Tamburini, do Rio, foi condenada pelo Tribunal de Justiça a pagar multa de R$ 5 mil por ter autuado o juiz João Carlos de Souza Correia, que dirigia sem documentos um carro sem placa. O magistrado deu-lhe voz de prisão quando ela lembrou-o que ele “era juiz e não Deus”. Por conta disso Luciana foi acusada, pela Justiça carioca, de “abuso de autoridade”. O Tribunal , pelo visto, interpretou a observação da agente como uma ofensa ao juiz, quando, na verdade, o ofendido foi Deus, que é justo e bom.
Ninguém precisa ser versado em leis – basta ter bom senso – para concluir que quem abusou da autoridade foi o juiz, que tem o dever legal e moral de cumprir e fazer cumprir a legislação. Vergonhosamente, porém, foi ele o infrator. E mais vergonhoso ainda, além de surpreendente: a sua atitude ganhou o aval da Corte de Justiça do Rio. Em editorial sob o título de “Autoridade abusada”, a “Folha de São Paulo” disse que “do episódio ressalta o contraste entre dois modelos de organização social: um arcaico, em que a aplicação das leis varia segundo o status de quem nelas se vê enredado, e outro em que todo cidadão é tratado igualmente, em seus direitos e deveres, pelo Estado”.
Além desse aspecto negativo, que revela corporativismo, lamentavelmente tem-se observado, nos últimos tempos, uma mudança de comportamento entre membros do Judiciário, que se tornaram mais políticos do que magistrados. O mais recente exemplo disso foi a declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que desceu das suas tamancas para questionar o direito constitucional da presidenta Dilma Roussef de nomear os membros daquela Corte e , também, para defender o candidato derrotado Aécio Neves das críticas do ex-presidente Lula.
Antes dele, o ministro Joaquim Barbosa já havia transformado o STF num palco político para influenciar o processo eleitoral. O julgamento do chamado “mensalão”, montado para atingir figurões do Partido dos Trabalhadores e contribuir para a derrota dos seus candidatos com a mais ampla cobertura da grande imprensa oposicionista, foi condenado pelos mais importantes juristas brasileiros, por conter vícios gritantes. Barbosa, transformado em celebridade por fazer justamente o que a mídia comprometida queria, estribou-se, por falta de provas, na teoria do domínio do fato, de origem alemã, para condenar os réus. A partir daí alterou-se a máxima jurídica de que “todos são inocentes até prova em contrário” e o ônus da prova passou a ser não mais de quem acusa, mas do acusado.
Como no momento fala-se muito em reforma política, com cobrança diária à Presidenta, seria saudável que se providenciasse, também, uma reforma no Judiciário, de modo não apenas a conter o ímpeto político de magistrados (quem pretende ingressar na política deve deixar a toga e filiar-se a um partido, como fez a ministra Eliana Calmon e o governador eleito do Maranhão, Flavio Dino, que era juiz federal) e, também, tornar mais cristalina a posição do poder judiciário em relação aos outros poderes. Tem-se a impressão, hoje, de que o Judiciário está acima dos demais poderes da República, porque com uma canetada um único ministro consegue anular ou mudar decisões, por exemplo, do Congresso Nacional, que é o poder representativo do povo, de onde, segundo a Constituição, emana todo o poder.
A Constituição Federal estabelece que os poderes são independentes e harmônicos entre si mas na prática não é o que tem sido observado. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, tem usado frequentemente seu superpoder para mudar decisões do Parlamento Nacional, que tem um colegiado de mais de 500 membros eleitos pelo povo. E mesmo sem indicar o dispositivo legal que lhe concede esses poderes, ele já decidiu, solitariamente, anular até decisão adotada por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, que é presidido e integrado por seus colegas do STF. E há vários meses está sentado sobre o processo que trata do financiamento de campanhas eleitorais, do qual pediu vistas.
O Poder Legislativo, o Congresso Nacional, que faz as leis, deveria também aproveitar a oportunidade para um ajuste na lei 8072, de 1990, que estabeleceu a delação premiada e que, segundo o jurista Dalmo Dallari, “promoveu o delinqüente a agente público informal”. Em artigo publicado no “Jornal do Brasil” o jurista destaca que “criminosos confessos se utilizam espertamente da delação premiada para atenuar a punição merecida e legalmente prevista”, causando graves prejuízos de várias espécies “às vítimas de uma delação que não corresponda à verdade e que tenha sido inventada por alguma conveniência do delator”.
Depois de lembrar que “nos últimos tempos, por motivação político-eleitoral mais do que óbvia, vários setores da imprensa deram grande destaque a criminosos confessos que acusaram personalidades públicas, explorando os termos de uma delação premiada”, Dallari adverte para as graves distorções dessa prática de duvidosa conveniência, defendendo ao mesmo tempo uma “urgente reavaliação” da sua aplicação “para excluí-la das práticas legais ou, pelo menos, para disciplinar com mais rigor sua utilização, em beneficio da sociedade”. Pressupondo-se que o desejo de todos, incluindo a oposição, é melhorar o Brasil, esse é o momento do Congresso deixar de lado as picuinhas políticas e dedicar-se, efetivamente, ao aperfeiçoamento das leis que permitam o avanço do nosso país nos mais diferentes setores da vida nacional. A hora é esta.
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