quarta-feira, 30 de abril de 2014

Perigosa anomalia

A decisão da ministra Rosa Weber, atendendo à reivindicação da oposição e determinando que a CPI do Senado seja exclusiva para investigar a Petrobrás, não foi surpresa para muita gente, em especial para os que acompanham os seus posicionamentos nas demandas no STF. No julgamento do mensalão, por exemplo, o seu voto condenando o ex-ministro José Dirceu mereceu duras críticas do teólogo Leonardo Boff que, em artigo publicado no “Jornal do Brasil!”, escreveu: “De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu voto:” Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade ético-jurídica?” A questão mais relevante agora, porém, não é a sua decisão no caso da CPI, que poderia ser tomada por qualquer outro ministro, mas a situação anômala que está sendo observada no relacionamento entre os poderes da República – e que está virando rotina – em que um poder interfere no outro à margem da Constituição, como se fosse um procedimento legal. Em nenhum dos seus dispositivos a Carta Magna, que estabelece que os “poderes são independentes e harmônicos entre si”, sequer insinua que o Judiciário seja um poder superior ao Legislativo e, portanto, com direito a interferir em suas decisões. Mas isso vem acontecendo com muita freqüência: um único ministro, com apenas uma canetada, tem anulado decisões do colegiado constituído por centenas de parlamentares eleitos pelo povo, de onde o poder emana. Parece estranho, para dizer o mínimo, que os ministros do Supremo Tribunal Federal, que são argüidos e aprovados pelo Senado e que podem ser processados e julgados pela mesma Casa do Parlamento Nacional (Art.52, inciso II), sejam investidos de um poder maior do que o de quem os colocou e pode tirá-los do cargo. Cabe ao Judiciário cumprir e fazer cumprir as leis elaboradas e aprovadas pelo Legislativo e não o contrário. Ao recorrer ao Supremo, por não conseguir reverter uma situação desfavorável dentro do próprio Legislativo, a oposição está fazendo o seu papel. Caberia ao STF, para evitar um conflito de atribuições, simplesmente escusar-se de apreciar matérias da exclusiva competência do Legislativo (caso da CPI), que não envolvam questões de ordem constitucional. O presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou em nota a sua disposição de recorrer ao plenário do Supremo contra a decisão da ministra Rosa Weber. Se fizer isso, porém, cometerá um grande erro, pois estará reconhecendo implicitamente o poder do STF de interferir nas questões internas do Legislativo. Por outro lado, se nada for feito e essa interferência continuar se repetindo o Congresso ficará fragilizado, com prejuízos para a própria democracia, pois estará sempre inseguro quanto à validade de suas decisões, que podem ser anuladas ou alteradas a qualquer momento mediante a canetada de um único ministro, desde que provocado pelos descontentes. E o Parlamento se transformará em mero acessório da República, sem nenhum poder de decisão. Nessas condições, melhor seria que fosse fechado, pois não sabe “zelar pela preservação de sua competência legislativa”, conforme estabelece o Art.49, inciso XI, da própria Constituição. O que fazer, então? Ora, quem é que faz as leis? Quem é que faz a Constituição, que deve ser obedecida por todos, incluindo o Supremo? O Congresso, portanto, deveria começar a pensar em aprovar leis – e até, se necessário, emendar a Constituição – para tornar bem claras as atribuições de cada poder, de modo a impedir a manutenção da presente situação. Afinal, fundamentada em que dispositivo constitucional a ministra Rosa Weber decidiu que a CPI seria exclusiva para investigar a Petrobrás, já que a sua criação e instalação é da competência do Poder Legislativo e não suscita dúvidas quanto a sua constitucionalidade? E a competência do Supremo Tribunal Federal, conforme preceitua o Art. 102, é “a guarda da Constituição”. Onde o ferimento na Carta Magna para que houvesse interferência do STF? Diante dessa anomalia, de uma coisa ninguém tem dúvidas: ou o Congresso toma agora uma posição firme em defesa das suas prerrogativas, fazendo valer o Art.49, inciso XI, da Constituição, ou o conflito de competências colocará em risco a sobrevivência da própria democracia, com um choque de poderes que poderá provocar uma grave crise institucional, abrindo uma perigosa brecha para os que sonham com a volta dos militares ao poder.

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