sexta-feira, 4 de abril de 2014

Hora de reflexão

No ano em que o golpe militar de 64 completa 50 anos dois integrantes da chamada Grande Imprensa, os jornais “O Globo” e a “Folha de São Paulo”, confessam publicamente que apoiaram a derrubada do governo João Goulart. E admitem que erraram. Em editorial no último final de semana, o jornalão paulista tenta justificar sua posição com a alegação de que na época não havia outras alternativas: ou apoiava os militares ou os comunistas. E reconhece: “Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais”. É verdade, deveria mas não o fez. Logo no inicio do editorial de página inteira, depois de admitir que “o regime militar tem sido alvo de merecido e generalizado repúdio”, o jornal paulista afirma que “a consolidação da democracia, nas últimas três décadas, torna ainda mais notória a violência que a ditadura representou”. E acrescenta: “Violência contra a população, privada do direito elementar ao autogoverno. E violência contra os opositores, perseguidos por mero delito de opinião, quando não presos ilegalmente e torturados, sobretudo no período de combate à guerrilha, entre 1969 e 1974”. Os que apoiaram o golpe, portanto, se tornaram cúmplices de toda essa violência que agora, através do trabalho da Comissão da Verdade, vem a tona em toda a sua crueza. Embora esticando a mão à palmatória, a “Folha”, no entanto, parece não ter aprendido a lição: continua apoiando as ações de violência da direita, agora mais morais do que físicas, contra um governo legitimamente eleito, o que robustece a intenção daqueles que ainda pensam num golpe militar como solução para os problemas nacionais. Substituíu a ameaça comunista pela petista, mas a motivação é a mesma: interesses econômicos e políticos contrariados de uma elite que até hoje não digeriu a eleição de um torneiro mecânico – e ainda por cima nordestino – para a Presidência da República. A certa altura do editorial diz a “Folha” que “nem todas as críticas à ditadura tem fundamento”. É possível. Não se pode negar que os militares que detinham o poder, mesmo com o apoio dos americanos para derrubar Jango, tiveram um comportamento nacionalista. Durante a ditadura não se cogitou, nem de leve, na desestatização das empresas nacionais. O desmonte delas aconteceu no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a sua fúria privatizacionista quase vendeu o Brasil. A Petrobrás, que hoje ele defende com um discurso demagógico, teve o monopólio quebrado justo no seu governo e só não foi privatizada porque, felizmente, o seu mandato expirou. Apesar do entreguismo de FHC, porém, a democracia ainda é o melhor regime de governo, onde o poder emana do povo e não das baionetas. Ainda não inventaram outro melhor. De qualquer modo, no momento em que o golpe de 64 completa 50 anos e o Brasil se mostra amadurecido como democracia, com um lugar destacado no concerto das nações, é tempo de refletir-se sobre o comportamento daqueles que buscam o poder pelo sufrágio universal. É preciso ter cuidado no exagero do pessimismo impresso na abordagem das questões nacionais, pois o panorama do país pintado a partir dessas pinceladas pode alimentar as idéias golpistas que volta e meia emergem das sombras. Não é destruindo a imagem do Brasil que os aspirantes ao Palácio do Planalto conseguirão ocupá-lo. E muito menos não será desestabilizando o governo que conquistarão o voto do povo. Por outro lado, é necessária também uma reflexão sobre o trabalho da Comissão da Verdade que, como o próprio nome diz, busca recuperar a verdade dos 21 anos da ditadura e reescrever a história do país. Essa comissão, ao contrário do que alguns pensam, não tem objetivos vingativos, até porque nem a presidenta Dilma Roussef, que foi presa e torturada pela ditadura, jamais cogitou de vingança. É preciso ter em mente que muitos dos responsáveis pela violência já foram punidos pela natureza, enquanto os que ainda se encontram entre nós vivem diariamente o julgamento do tribunal da própria consciência. O Brasil, cuja população é resultado da fusão de todas as raças, é um país tradicionalmente religioso e ordeiro, avesso à violência. E sabe que todos os homens um dia terão de prestar contas à Justiça Divina. Assim, ao invés de meter-se o dedo nas feridas ainda não inteiramente cicatrizadas, melhor evitar-se qualquer alteração na Lei da Anistia. Afinal, é preciso dar um basta no ódio que ainda consome muitas almas.

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