domingo, 12 de outubro de 2014

Crise de seriedade

Ora viva! A “Folha de São Paulo” teve esta semana uma crise positiva de jornalismo sério e publicou, na quinta-feira última, editorial sobre o problema da falta de água no seu Estado. O jornalão, incorporando seu antigo espírito de seriedade profissional, criticou as declarações irônicas da presidente da Sabesp, Dilma Pena, na CPI da Câmara de Vereadores e, também, o descaso dos governos tucanos nas últimas décadas com relação às providências, reclamadas pelos técnicos, para evitar justamente um colapso no abastecimento de água da região metropolitana paulista. Sob o título de “Falta de água é coisa séria”, o editorial classifica de piada a declaração de Dilma Pena de que “não existe racionamento, mas administração da disponibilidade de água”, e acusou o governo de Geraldo Alkmin de não agir com transparência sobre o problema. “Alkmin demonstrou, ao deixar a situação chegar a esse ponto – diz o jornal – que se pauta pelo calendário eleitoral”. É verdade, e o próprio jornal também seguiu a mesma pauta ao preservá-lo, deixando de abordar o grave problema com a amplitude que merecia, no período que antecedeu ao pleito, para não prejudicar a sua reeleição no primeiro turno. Mais adiante diz o editorial que “embora esta seja uma estiagem recorde, não faltaram avisos às gestões tucanas, que comandam o Estado desde 1995”. E acrescentou: “Os governadores foram omissos”. Com esse editorial, embora deliberadamente atrasado, a “Folha” parece ter revivido os velhos tempos da imprensa séria, que usava o espaço adequado para manifestar a sua opinião, ao contrário do que ocorre hoje, quando todo o noticiário é utilizando para marcar posição política, o que compromete a sua credibilidade na medida em que as notícias passam a ser lidas com desconfiança. Ainda segunda-feira passada o “Estado de São Paulo” publicou editorial manifestando o seu sentimento de alívio por ter o candidato tucano Aécio Neves ultrapassado Marina Silva e conquistado o direito de concorrer ao segundo turno das eleições presidenciais. É legítimo o direito de todos os brasileiros, inclusive dos proprietários dos maiores veículos de comunicação de massa do país, de ter candidatos da sua preferência para qualquer cargo eletivo, mas não é legítimo, nem profissional ou ético, que os jornalões utilizem o noticiário para fazer a campanha eleitoral deles. O editorial deve ser o espaço adequado para que fixem suas posições, como fez o “Estadão”, ao declarar seu amor por Aécio. Os antigos fundadores e proprietários desses jornalões, que formam a Grande Imprensa nacional, provavelmente reviram nos túmulos quando seus descendentes lançam na lata de lixo a credibilidade e a tradição de jornalismo sério que construíram ao longo de décadas. Na era da informática no mundo moderno de hoje, em que a internet se transformou no mais importante veículo de comunicação do planeta, os jornais impressos deveriam primar pela isenção e pela ética na veiculação das notícias, deixando para opinar nos editoriais, porque já existe uma tendência para o seu desaparecimento, em futuro próximo, diante da gradual predominância dos jornais virtuais, que interagem com seus leitores. O “Brasil 247” é o melhor exemplo dessa nova era. A morte anunciada da revista “Veja”, que foi perdendo leitores justamente pela perda de credibilidade por conta de suas matérias tendenciosas, deve servir de alerta para os que se julgam suficientemente fortes para resistir ao sopro renovador que varre o planeta, tornando seus habitantes mais antenados com tudo o que acontece em toda parte. As pessoas não dependem mais dos jornais, revistas ou mesmo televisões para saber o que está acontecendo no mundo e, sobretudo, não enxergam mais os fatos pela ótica dos veículos de comunicação. As redes sociais lhe dão informações instantâneas, cabendo a cada uma apenas usar a massa cinzenta para separar o joio do trigo. Os jornalões, portanto, que vem perdendo espaço entre os leitores justamente pelo atual descomprometimento com a informação, deveriam repensar o comportamento que os transformaram praticamente em partidos políticos. E restaurarem a tradição de confiabilidade conquistada pelos seus fundadores, como fez a “Folha” com seu editorial atrasado de quinta-feira. Talvez assim possam reconquistar a confiança e o respeito do público leitor.

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