quarta-feira, 8 de junho de 2016

O poder maior?

Ninguém tem dúvidas de que o Brasil precisa ser passado a limpo, com a necessária punição de quantos se beneficiem com o uso indevido do dinheiro público, mas o combate à corrupção não pode ser partidarizado e muito menos servir de pretexto para a conquista de objetivos políticos. A ingente tarefa, que inicialmente recebeu o aplauso de todos os brasileiros, infelizmente desvirtuou-se ao longo do caminho, transformando-se em instrumento de perseguição política. Como consequência disso o Judiciário, para onde convergem todas as ações, acabou se sobrepondo aos outros poderes, interferindo rotineiramente nas atividades do Executivo e do Legislativo e contrariando a própria Constituição, segundo a qual os poderes são “independentes e harmônicos entre si”. E parece que o país vive hoje uma disfarçada ditadura da toga, onde o homem mais poderoso é um juiz de primeira instância do Paraná, Sergio Moro, que tem jurisdição sobre todo o território nacional. Desde o julgamento do chamado “mensalão” que a Justiça brasileira, fortalecida pela Constituição de 88, começou a sofrer transformações para pior, na medida em que aboliu a presunção de inocência e passou a condenar sem provas, baseada apenas na “teoria do domínio do fato”, ou seja, nos rumores e no noticiário da imprensa. Ao votar, por exemplo, pela condenação do ex-ministro José Dirceu, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, foi duramente criticada pelo frei Leonardo Boff, que a chamou de “leviana” por haver reconhecido não ter encontrado nenhuma prova contra ele, mas o condenava com base na literatura jurídica. Depois disso a insegurança jurídica se instalou no país, onde o juiz Moro, condutor da Operação Lava-Jato, manda prender estribado apenas em delações, sem qualquer prova, para então fazer investigações. E a Lava-Jato ganhou vida própria, tornou-se um poder paralelo, terror dos políticos e empreiteiros. Com a decisiva atuação da grande imprensa, que desenvolveu uma sistemática campanha contra o governo Dilma criminalizando o PT, a população influenciável passou a ver todos os petistas como corruptos e responsáveis pelo desvio de recursos na Petrobrás. Hoje já se sabe que quase todos os partidos participavam da roubalheira, em especial o PMDB e o PSDB, mas apenas os petistas eram conduzidos para a cadeia. E os vazamentos seletivos que, embora ilegais, se tornaram rotina e ganharam manchetes escandalosas, só envolviam petistas. Nenhuma providência foi tomada pelo órgão superior do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, para estancar esses vazamentos, nem mesmo a divulgação do grampo ilegal da conversa da Presidenta com Lula, considerado crime, pelo qual o juiz Moro sequer foi advertido. Por isso, causou surpresa a declaração do ministro Gilmar Mendes condenando o vazamento do pedido de prisão da cúpula do PMDB e, inclusive, classificando-o como “crime”. Por que só agora? Porque agora atinge o governo interino de Temer, que ajudaram a instalar. Ao transformar em celebridades os magistrados responsáveis pelas prisões, porque obviamente atendiam aos seus interesses políticos, a grande imprensa criou super-heróis que passaram a ser cogitados, inclusive, como candidatos à Presidência da República. O juiz Moro foi homenageado pela Globo e pelos Estados Unidos, sem dúvida uma redundância, e foi considerado por uma revista americana como um dos homens mais poderosos do mundo. Como não tem vaidade que resista a tanto incenso, o magistrado de Curitiba se sente hoje tão forte que dá pitaco até em decisões do Supremo, para cujo presidente mandou carta elogiando certos atos. E ninguém, na mais alta corte de Justiça do país, tem coragem de contrariá-lo, provavelmente não necessariamente por ele, mas pelas costas largas da midia. E após a prisão do senador Delcídio do Amaral, sem nenhuma reação do Congresso, o seu poder tornou-se quase ilimitado. Daí porque todo mundo declara publicamente, até mesmo os investigados, seu apoio à Operação Lava-Jato. A prisão de Delcídio, na verdade, foi um teste de poder, coroando um processo de conquista de espaço que vinha se arrastando há algum tempo. Uma mudança de decisão da Câmara aqui, uma revogação de lei aprovada pelo Senado ali, o estabelecimento de rito para votação de matéria acolá, sem nenhum estrebucho, e o Legislativo foi gradativamente cedendo seu espaço para o Judiciário. Reza a Constituição que um parlamentar só pode ser preso em flagrante delito mas o senador foi preso apenas por TENTAR obstruir a Lava-Jato. Lula foi impedido de assumir a Casa Civil do governo Dilma porque o ministro Gilmar Mendes entendeu que a sua nomeação teve a INTENÇÃO de obstruir a Justiça. E se a Presidenta decidisse ignorar a decisão de Gilmar? Agora o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, pede a prisão do ex-presidente José Sarney, do presidente do Senado Renan Calheiros; do senador Romero Jucá, presidente do PMDB, e do deputado Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara, por entender, baseado nas gravações de Sergio Machado, que eles TENTAVAM obstruir a Lava-Jato. Cunha é acusado de ter dinheiro suspeito na Suiça e de receber propinas de milhões, mas isso não foi motivo para o seu pedido de prisão. E agora? Vão mesmo prender esse pessoal? O Senado, ao que parece, não estaria mais disposto a repetir a submissão ao Judiciário por ocasião da prisão de Delcidio. Aparentemente, porém, tudo não passou de mais um espetáculo midiático, uma rotina proporcionada pelos vazamentos para inflar egos e destruir reputações. Contando com a cumplicidade de “vazadores” em toda parte, especialmente no Ministério Público e na Policia Federal, a grande imprensa, avisada previamente, está sempre presente para documentar prisões e apreensões, oferecendo ao público um espetáculo que contribui, a cada dia, para desmoralizar a classe política. Parece que os caçadores de corruptos estão mais interessados na fama do que em realizar a bom termo a sua tarefa, daí porque a cada prisão procuradores e delegados da Lava-jato reúnem a imprensa para dar seu recado, todos buscando o estrelato. E a mídia também faz a sua seletividade, blindando alguns nomes que, mesmo sempre citados nas delações, raramente aparecem. De qualquer modo, mais cedo ou mais tarde, até pela lei da gravidade, os frutos podres vão cair, independente da blindagem. E o Brasil só será de fato passado a limpo quando o joio for efetivamente separado do trigo, sem política e sem partidarismos. Como todos esses fatos foram amplificados pela imprensa brasileira, com manchetes escandalosas e amplos espaços na televisão, o Brasil, que vinha se firmando como uma potência emergente no contexto mundial, ganhou fama de país mais corrupto do planeta. O “The New York Times”, o mais influente jornal do mundo, inclusive procurou ironizar o nosso país, concedendo-lhe a “medalha de ouro da corrupção”, como se nos Estados Unidos não houvesse corrupção. Recorde-se que há tempos, quando Silvio Santos, dono do SBT, ensaiou a sua candidatura à Presidência da República, um jornal americano tentou ridicularizá-lo, criticando a “pretensão” de um apresentador de televisão de querer ser Presidente da República. O jornal esqueceu-se de que o presidente dos Estados Unidos, na época, era Ronald Reagan, um medíocre ator de filmes de bang-bang. Por essas e por outras é que o combate à corrupção deve ser intenso e permanente, mas dentro da lei, sem partidarismos, tendo-se o cuidado de evitar que o nosso país seja achincalhado lá fora. E, principalmente, respeitando-se a Constituição.

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