quarta-feira, 25 de maio de 2016

Corda no pescoço

Com a divulgação do diálogo entre o ministro Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, ocorrido em março último, pouco antes do deprimente espetáculo da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment da presidenta Dilma Roussef, jogaram titica no ventilador, respingando inclusive no Supremo Tribunal Federal e nas Forças Armadas. A máscara dos que tramaram e executaram o golpe, já transparente, caiu de vez, expondo em toda a sua crueza a cara da verdadeira motivação do afastamento da Presidenta: a garantia da impunidade dos corruptos com o fim da Operação Lava-Jato. Ficou cristalino que era justamente a presidenta Dilma quem assegurava o combate à corrupção através da Lava-Jato e, por isso, os investigados, que hoje compõem o governo interino, se convenceram de que a única maneira de salvar a própria pele era arrancá-la do Palácio do Planalto e montar com Michel Temer um pacto para estancar a operação. Até os Marinho, que participaram do processo golpista empregando todo o poder do seu império de comunicação, reconheceram a trama para acabar com a Lava-Jato. Em editorial do seu jornal “O Globo” eles afirmaram que “fica translúcido que Jucá e Machado, dois apanhados investigados, tramavam barrar a Operação num eventual governo Temer”. Na opinião dos Marinho, os diálogos também atingem Temer, que no seu discurso de posse disse que fortaleceria e daria continuidade à operação. Por isso, pediram que o Presidente em exercício promovesse o imediato afastamento de Jucá do seu ministério, “até para não dar razão aos lulopetistas, que denunciam uma trama contra a Lava-Jato por trás do impeachment de Dilma”. Ou seja, mesmo sem querer os irmãos Marinho admitiram que os petistas tem razão e, por isso, manifestaram a necessidade de Temer agir com rapidez, o que aconteceu, para impedir que a denúncia ganhasse mais corpo com a divulgação do diálogo. Temerosa de que as palavras de Romero Jucá pudessem comprometer o governo interino, para cuja instalação foi uma das principais responsáveis, a Globo agiu com muita cautela na divulgação do diálogo publicado pela “Folha de São Paulo”, só dando mais ênfase ao noticiário após intensas negociações com o próprio Temer que, ao que tudo indica, teria autorizado a entrega do seu braço direito às feras. Aparentemente, os Marinho e Temer concluíram que era melhor descartarem logo o agora inconveniente parceiro, de modo a evitar maiores danos à imagem do governo interino, que a Globo se esforça em melhorar, concedendo no “Jornal Nacional” grandes espaços ao Presidente exercício, em matérias editadas com muita habilidade. Não parece tarefa muito fácil, já que Temer, além de mal acompanhado com um ministério recheado de investigados, não tem postura nem carisma de Presidente. Como seria de se esperar, depois das negociações com a Globo, Jucá foi rapidamente exonerado do Ministério do Planejamento, mas saiu com elogios de Temer e tratamento condescendente dos seus aliados, que fizeram vista grossa para a gravidade do conteúdo da gravação. O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy, por exemplo, disse que Jucá se afastou para se defender mas pode retornar ao cargo ainda “mais forte”, enquanto o senador Tasso Jereissati, citado no diálogo, classificou o fato como “uma conversa entre amigos”. Apenas o PSOL e o PDT reagiram com veemência, pedindo inclusive ao Conselho de Ética a cassação do mandato de senador de Jucá. Representantes dos dois partidos chegaram a lembrar que por muito menos disso Delcidio do Amaral foi preso e teve o mandato cassado, acusado de tentar obstruir a Justiça mediante a suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró. Como se recorda, apenas com a insinuação de que poderia influenciar a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Delcídio despertou a ira dos magistrados que, indignados, autorizaram a sua prisão. Desta vez Jucá foi muito mais explícito ao dizer que conversou com alguns ministros, acentuando que tem “poucos caras ali (no STF) aos quais não tem acesso” e um deles seria o ministro Teori Zavascki, que classificou como “um cara fechado”. Ele foi mais além, ao revelar o envolvimento desses ministros da Suprema Corte (sem citar nomes) no impeachment, enfatizando que eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim das pressões da mídia pela continuidade das investigações da Lava-Jato. E acrescentou que um eventual governo Temer deveria fazer um pacto nacional “com o Supremo e com tudo” para parar a operação. Apesar da gravidade das declarações, não se viu até agora nenhum gesto de indignação dos magistrados ou providências da Corte para desmentir ou punir o ex-ministro. Ao contrário do esperado, o ministro Luis Barroso simplesmente afirmou não acreditar que alguém possa ter acesso a um ministro do Supremo para influenciar o seu julgamento. Ele disse, textualmente, durante um seminário promovido pela revista “Veja”: “As instituições despertaram e passaram a funcionar melhor, de modo que é impensável nos dias de hoje supor que alguém tenha individualmente a capacidade de paralisar as instituições ou pensar que qualquer pessoa tenha acesso a um ministro do Supremo para parar determinado julgo". Mais surpreendente ainda foi a reação do ministro Gilmar Mendes, que não viu nada demais nas declarações de Romero Jucá com quem, segundo revelou, mantém uma velha amizade desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. A simpatia ao governo interino de Temer e aos seus integrantes é evidente nesses comportamentos, em escandaloso contraste ao comportamento adotado em relação ao governo Dilma. Resta saber se a Corte, antes tão indignada com as insinuações de Delcídio, não vai se pronunciar sobre o episódio ou mesmo tomar qualquer medida contra Jucá, já que foi colocada numa situação muito delicada. A sua indiferença soará como uma confirmação de tudo o que disse o agora ex-ministro do Planejamento. O fato concreto é que Jucá escancarou as entranhas do golpe, expondo a trama e seus participantes e, sobretudo, o verdadeiro motivo do afastamento da presidenta Dilma Roussef: assegurar a impunidade dos corruptos com o fim da Operação Lava-Jato. Soube-se ainda que o Procurador Rodrigo Janot já teria a gravação desde março, segurando-a na gaveta para permitir o afastamento de Dilma, o que confirma as suspeitas sobre a sua participação no processo. E agora? Como fica a confiança no Ministério Público? Como fica a imagem da mais alta Corte de Justiça do país e das Forças Armadas apontadas por Jucá como apoiadores de um processo destinado a salvar a pele de corruptos? Como se sentirão as pessoas que foram às ruas pedir a saída de Dilma e descobrem agora que foram usadas como massa de manobra para proteger corruptos? E as que suaram batendo panelas imaginando que o governo Dilma é que era corrupto? Cadê as paneleiras? E como Temer conseguirá se manter no poder, mesmo apoiado pela Globo, rodeado de ministros com a corda da Lava-Jato no pescoço? Vale lembrar Jesus: “A cada um segundo as suas obras”. .

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