quarta-feira, 18 de maio de 2016
As contradições do Judiciário
O ministro Gilmar Mendes, que ganhou fama por suas decisões escandalosamente políticas, deve ter um poderoso magnetismo, capaz de, por algum mecanismo misterioso, influir no aparelho eletrônico do Supremo Tribunal Federal que sorteia os ministros na distribuição dos processos: só ele é sorteado em ações que envolvem tucanos ou petistas. E suas decisões, antes mesmo sequer de ler os processos, já são conhecidas de todos. Já faz um bom tempo que ele não se importa em exibir suas penas tucanas, o que evidencía nele uma das mais belas virtudes do homem: a gratidão. Único ministro do Supremo nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Gilmar, em seus julgamentos, não se constrange em revelar sua gratidão aos tucanos, ao mesmo tempo em que faz questão de mostrar a sua feroz ojeriza aos petistas. Recentemente, ao comentar o recurso do advogado geral da União, Eduardo Cardozo, pedindo ao Supremo a anulação do processo de impeachment, ele afirmou: “Podem ir ao céu, ao papa, ao diabo”. Ou seja, não adiantava recorrer a quem quer que fosse, porque o impeachment seria confirmado. Isso lembra a declaração do comandante do “Titanic”, quando em sua viagem inaugural: “Nem Deus afunda este navio”. O desfecho todos conhecem.
Há alguns dias Gilmar foi sorteado para relatar um inquérito contra o senador Aécio Neves, acusado de participar de um esquema de corrupção em Furnas. O inquérito foi enviado ao Supremo Tribunal Federal pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, com pedido para que o presidente nacional do PSDB fosse investigado. Gilmar, no entanto, determinou não apenas a suspensão das investigações como, também, do depoimento do senador e das testemunhas, além da coleta de provas, ao mesmo tempo devolvendo o processo a Janot para uma reavaliação. Ninguém se surpreendeu, porque já era esperado um despacho nesse sentido. Afinal, não é a primeira vez que ele manda arquivar ações contra Aécio. Ainda assim, o ministro Lewandowski, talvez por Já aceitar o defeito da roleta eletrônica, encaminhou diretamente ao ministro Gilmar outro pedido de investigação do PGR Janot contra Aécio, desta vez sob a acusação de manipular dados do Banco Rural. Alguém tem dúvidas sobre o destino também desse processo?
Mas isso não acontece apenas no Supremo. Também no Tribunal Superior Eleitoral parece que a roleta eletrônica tem o mesmo vício ou igualmente sofre a mesma influência do magnetismo do ministro Gilmar. Por coincidência ou conveniência, ele foi sorteado para relatar a cassação do mandato da chapa Dilma-Temer, pedida pelo PSDB, sob a alegação de abuso de poder econômico. Embora a prestação de contas da Presidenta reeleita já tivesse sido aprovada pelo Tribunal de Contas da União, Gilmar não apenas aceitou o pedido como ainda solicitou a coleta de outros documentos. E, confirmando o seu interesse pessoal pelo processo, não abriu mão da sua relatoria mesmo assumindo, recentemente, a presidência do TSE. É a primeira vez que um magistrado é, ao mesmo tempo, presidente da Corte e relator de um processo. Será que alguém desconfia das suas intenções?
Há oito anos Gilmar determinou o arquivamento de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa de três tucanos: José Serra, Pedro Malan e Pedro Parente, todos ex-ministros do governo FHC. Recentemente o ministro Luis Barroso, da 1ª Turma do STF, mandou desarquivar as ações. Em compensação o mesmo ministro Gilmar concedeu liminar suspendendo a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil da presidenta Dilma Roussef, sob a alegação de que a sua nomeação tinha o objetivo de obstruir a Justiça. A nomeação apenas retirava as investigações sobre ele da Operação Lava-Jato e as transferia para a órbita do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a justificativa de Gilmar, no entanto, o Supremo não é Justiça, só a Lava-Jato. E até hoje essa liminar aguarda o julgamento do mérito pelo plenário da Corte, o que só deverá acontecer, ao que tudo indica, após a conclusão do julgamento de Dilma pelo Senado, pois se ela for afastada definitivamente a liminar perde o sentido, mas se voltar ao Planalto, com o arquivamento do impeachment, a liminar deverá ser confirmada. E Lula continuará de fora porque é imperioso que lhe seja interditada qualquer possibilidade de voltar ao poder.
Constata-se, lamentavelmente, sem muita dificuldade, que o Judiciário brasileiro se politizou, em todos os níveis, perdendo a posição de mais acreditada instituição do país. E não apenas por conta de suas decisões, muitas delas visivelmente políticas, mas, também, pelas posições de alguns dos seus ministros que, em declarações à imprensa sobre fatos em evidência, deixam escapar as suas preferências político-partidárias, o que compromete a própria Corte. O ministro Gilmar Mendes chega a escancarar a sua coloração partidária quando faz críticas acerbas ao PT. Todo cidadão tem o direito de ter suas preferências políticas, seus candidatos, mas o magistrado, pela natureza da sua atividade, deveria ser mais discreto e evitar manifestar-se publicamente, porque provoca desconfianças sobre a isenção das suas decisões. Até porque em muitos casos eles se tornam julgadores das questões sobre as quais opinaram, antecipando o seu voto quando elas chegam às suas mãos. Quem consegue, por exemplo, confiar no julgamento de magistrados como aquele que participou das manifestações de rua contra o governo? Se continuar nesse ritmo a deusa grega Têmis, que simboliza a Justiça, vai acabar tirando a venda dos olhos e colocando um saco na cabeça. De vergonha.
Dentro em breve o plenário da Suprema Corte deve julgar o mérito da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, determinando ao presidente da Câmara dos Deputados a admissibilidade do pedido de impeachment de Michel Temer. Antes mesmo do julgamento não é difícil prever-se o resultado: a liminar deverá ser derrubada, sob a justificativa de que isso é atribuição do presidente da Câmara. Alguns ministros já sinalizaram nessa direção. Claro que é um sofisma, que atende interesses políticos, porque eles afastaram o deputado Eduardo Cunha da presidência daquela Casa, decisão que deveria também ser da exclusiva competência dos deputados que o elegeram. Não faz muito tempo, o ministro Gilmar Mendes, com uma canetada, decidiu monocraticamente suspender a tramitação, no Senado, de um projeto já aprovado pela Câmara que restringia a criação de novos partidos. E o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao contrário da atitude adotada quando o presidente interino da Câmara anulou o processo de impeachment, aceitou tranquilamente a decisão do ministro e ainda se dirigiu à residência dele, com o deputado Henrique Alves, para pedir que reconsiderasse a sua decisão.
Vale lembrar que tramita na Câmara uma PEC que reduz os poderes do Supremo e que poderá a qualquer momento ser colocada em pauta, para discussão e votação, dependendo apenas do interesse do deputado Eduardo Cunha que, mesmo afastado da presidência da Casa, continua dando as cartas por lá.
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