quinta-feira, 5 de maio de 2016

As marcas do golpismo

A História se repete. A ingratidão, a traição e a conspiração sempre marcaram a História do Brasil, sendo mais visíveis nos golpismos, mais precisamente na derrubada de governos legalmente constituídos, a começar pelo Segundo Reinado. O Imperador Pedro II, que assumiu o trono aos 15 anos incompletos quando foi decretada a sua maioridade, foi destronado por um golpe conspirado pela elite da época e executado por militares que desfrutavam da sua intimidade, entre eles Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto, os quais proclamaram a República. E sem que ele houvesse praticado qualquer crime o expulsaram do país com a sua família, obrigando-o a deixar o Rio de Janeiro às pressas, a bordo do navio “Alagoas”, com destino a Portugal, onde morreu, proibido de voltar à terra que o viu nascer e que tanto amava. Um dos oficiais que lhe entregaram o decreto de banimento, o tenente Joaquim Ignácio, chegou a propor o seu fuzilamento, o que não foi acatado pelos comandantes do levante. Esse oficial vem a ser avô do ex-presidente FHC. Dom Pedro II, considerado o maior estadista que este país já teve, governou o Brasil durante meio século, período marcado pela paz, pelo progresso, pelas liberdades e pela abolição da escravatura. Sua avançada gestão foi reconhecida no mundo inteiro, onde o ideal republicano já se materializava. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde o movimento republicano chegaria aqui, mas pretendia fazer a transição de forma tranquila, mediante proposta encaminhada ao Parlamento. Seu desejo era entregar o poder e recolher-se à sua casa em Petrópolis, onde queria viver o resto da sua vida como simples cidadão. Foi traído, porém, pelos que frequentavam a sua casa e surpreendido com a quartelada que o baniu do país, subtraindo-lhe a cidadania. Afinal, que crime teria cometido para ser tratado como criminoso? O que mais lhe doeu foi saber que o autor intelectual do golpe, que desaguou na Proclamação da República, foi o tenente-coronel Benjamin Constant, o mais íntimo dos golpistas. Amigos do imperador ainda tentaram derrubar o ato de banimento, impetrando no Supremo Tribunal Federal um pedido de habeas corpus para que ele pudesse retornar à sua terra, o Brasil, como simples cidadão. Os ministros da época, no entanto, assim como hoje, preferiram ignorar a justiça do pedido e simplesmente o negaram com argumentos frágeis, inclusive o de que, por ter sido banido, Dom Pedro deixava de ser brasileiro e, portanto, sem direito à medida. Outra justificativa foi a de que o habeas corpus não foi solicitado por nenhum dos seus parentes, mas pelos jornalistas Olympio Lima e Alberto Veiga e pelo advogado Urbano Neves. Uma vergonha. Somente mais de 30 anos depois, mais precisamente em 1921, é que o então presidente Epitácio Pessoa corrigiu a injustiça, revogando o ato de banimento, mas já era tarde, porque o casal real já havia morrido. O ato, no entanto, permitiu que os despojos do Imperador e da sua esposa Teresa Cristina fossem trasladados de Portugal para o Brasil. Alguma semelhança com os tempos atuais? Pouco mais de 30 depois perpetrou-se novo golpe, que culminou com o suicídio de Getulio Vargas no dia 14 de agosto de 1954. Responsável pelo extraordinário surto de progresso experimentado pelo país durante seu governo, quando criou as grandes estatais, inclusive a Petrobrás; a CLT, a Previdência Social, a Justiça do Trabalho, o salário mínimo, que lhe valeram o cognome de “Pai dos pobres”, Getúlio não resistiu às pressões da mídia e dos conspiradores, à frente Carlos Lacerda, e deu um tiro no peito. Deixou, porém, uma carta-testamento em que denunciou os responsáveis pelo seu gesto extremo, dizendo a certa altura: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do Trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”. Alguma semelhança com os tempos atuais? Só foram necessários mais 10 anos para que houvesse um novo golpe, desta vez executado pelos militares no dia 31 de março de 1964. O presidente João Goulart, que assumiu o governo em virtude da renúncia do presidente Jânio Quadros, foi derrubado com a ajuda quase explícita dos Estados Unidos, que temiam fosse o Brasil conduzido por ele para os braços do comunismo, um fantasma que assombrava os americanos e assombra até hoje o deputado Jair Bolsonaro. Qual foi o crime de Jango? Ter visitado a China e a União Soviética. E a ditadura militar perdurou por mais de 20 anos, subtraindo as liberdades e deixando um triste saldo de perseguições, torturas e mortes. Alguns políticos da época, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, se escafederam para não serem presos. FHC se abrigou no Chile, onde viveu um doce exilio pilotando uma Mercedes azul pelas ruas de Santiago. Enquanto isso, Lula e Dilma permaneciam no Brasil, lutando pela restauração da democracia, tendo sido presos e torturados. E muitos dos que hoje os perseguem, desfrutando das liberdades democráticas conquistadas por eles, apoiaram o golpe militar ou simplesmente se acomodaram ao largo dos perigos. Alguma semelhança com os tempos atuais? Agora, após mais de 20 anos, a jovem democracia brasileira sofre mais um golpe, desta vez parlamentar, embora orquestrado pelas mesmas forças que mataram Getúlio e derrubaram Jango. E com o apoio da mesma midia. Qual o crime de Dilma e Lula? Maior atenção à pobreza, com programas que beneficiaram mais de 40 milhões de pessoas, e independência de fato do Brasil, que deixou de balançar a cabeça como vaca de presépio e se impôs como potência emergente, ao ponto do presidente Barack Obama dizer sobre Lula: “Esse é o cara”. E é precisamente esse cara que teve a vida devassada pela Policia Federal, mesmo sem ter praticado nenhum crime; foi impedido de assumir um ministério no governo Dilma e vive ameaçado de prisão, sem motivo. O fantasma do comunismo foi substituído pelo petismo, que a imprensa criminalizou mediante uma campanha sistemática de intolerância e ódio. E o Supremo, a exemplo daquele que negou o habeas corpus a Dom Pedro II, continua o mesmo, indiferente à vergonhosa injustiça que se pratica contra Dilma e Lula. Constata-se que a frase de Getúlio, em sua carta-testamento, continua muito atual: “Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.

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