sexta-feira, 27 de maio de 2016
O dedo do Tio Sam
O afastamento da presidenta Dilma Roussef tem motivações e consequências muito mais amplas do que se poderia imaginar. Além da garantia de impunidade aos políticos corruptos, que viram no impeachment dela a única maneira de salvar a própria pele, existem fortes interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos na mudança do governo, que lhe escapou das mãos na gestão de Lula. Assim, com sua hegemonia no continente americano ameaçada pela crescente importância do Brasil no contexto mundial, os norte-americanos, depois de tentar sem sucesso a mudança pelo voto usando parceiros brasileiros comprometidos com os seus interesses, passaram a estimular os movimentos oposicionistas para a execução de um golpe branco, sem o uso de armas – como aconteceu em 1964 – para evitar reações menos diplomáticas do resto do mundo. E nesse projeto a mídia, em especial a Globo, teve importância fundamental, na medida em que criminalizou o PT e implantou um clima de ódio e intolerância que facilitou o envolvimento de parte da população, do Congresso e do Judiciário.
O processo, porém, ainda não está concluído, porque Dilma ainda não foi afastada definitivamente e Temer ainda é presidente interino, razão porque os Estados Unidos ainda não reconheceram formalmente o seu governo. E, também, porque falta atingir o principal alvo de todo esse processo: o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Os Estados Unidos são o maior interessado em impedir que o ex-presidente operário volte ao Palácio do Planalto em 2018, pois seu banimento da vida pública faz parte do projeto de retomada do controle político não apenas do Brasil mas, também, dos países da América do Sul. E como o nosso país é o líder natural do continente sul-americano, reconduzi-lo de volta para debaixo das asas da grande nação do Norte, de onde saiu nos governos petistas, facilitará a recondução das outras nações, o que, no entanto, só será possível sem Lula no Planalto. Diante disso, não há dúvida de que os perseguidores do líder petista deverão empenhar-se mais ainda na busca de algo concreto que possa leva-lo à prisão sem incendiar o país, o que não parece tarefa muito fácil.
Desde que os petistas conquistaram o governo, interrompendo o projeto entreguista do presidente Fernando Henrique Cardoso – para quem o Brasil só se desenvolveria atrelado aos Estados Unidos – que os norte-americanos tentam a retomada do poder com os sus parceiros brasileiros de olho, principalmente, em nossas riquezas minerais. Após o fracasso do presidente George Bush no Iraque e vizinhanças, em busca do petróleo que já escasseia em solo americano, o presidente Barack Obama concentrou suas atenções na América do Sul, particularmente no Brasil, cujas riquezas naturais foram mapeadas por sua avançada tecnologia via satélite. O pré-sal arregalou os olhos do tio Sam, mas o presidente Lula tratou de protege-lo da cobiça internacional, fortalecendo a Petrobrás, que FHC só não privatizou porque não houve tempo mas, ainda assim, preparou o terreno para entregá-la ao capital estrangeiro, fatiando-a e tentando mudar o seu nome para Petrobrax. Lula frustrou os planos entreguistas e tornou-se alvo da fúria do tio Sam.
Ao mesmo tempo em que espionava a presidenta Dilma Roussef e a Petrobrás, trabalhando para mudar os rumos do Brasil – que no governo Lula adotou uma política externa expansionista ampliando o número de embaixadas no Caribe e na África e estreitando suas relações com a Russia e a China – os Estados Unidos também atuavam nos demais países da América do Sul, com ênfase na Venezuela, onde já criaram um clima semelhante ao que levou ao impeachment de Dilma no Brasil, e na Argentina. Neste conseguiram a mudança pretendida através do voto e o novo presidente Mauricio Macri já deu uma guinada para a direita, inclusive recebendo a visita de reconhecimento do presidente Obama e abrindo o país para a instalação de bases militares americanas. No governo de Fernando Henrique Cardoso eles também tentaram instalar uma base no Brasil, mais precisamente em Alcântara, no Maranhão, onde, segundo o humilhante contrato de arrendamento, nenhuma autoridade brasileira poderia entrar sem autorização do governo norte-americano. Seria uma nova Guantânamo que, graças à providencial ação do deputado Waldir Pires, do PT baiano, o pedido de autorização ao Congresso foi mantido engavetado até a posse de Lula, que acabou com a festa tucana.
O governo interino de Michel Temer, no entanto, já sinalizou que dará agora continuidade ao programa entreguista de FHC, com a privatização do que sobrou da fúria privatizacionista do governo tucano. A Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal já foram relacionados para serem vendidas caso Dilma seja afastada definitivamente e Temer confirmado presidente. Até que isso aconteça, porém, ele já anunciou a abertura do pré-sal para o capital estrangeiro, conforme projeto do senador e hoje chanceler José Serra. Aliás, não foi por acaso que o tucano Serra, entreguista como o tucano-mor FHC, foi nomeado para o Ministério das Relações Exteriores, onde estabeleceu a diplomacia do porrete e iniciou a desmontagem da expansão construída no governo Lula, recebendo por isso elogios naturais dos americanos. Afinal, se depender dos Estados Unidos – e dos seus parceiros brasileiros entreguistas – o Brasil jamais se tornará uma grande potência, capaz de impor-se no cenário mundial. E se Temer e Serra continuarem em seus cargos o país poderá até sair do BRICS.
O fato é que, com apenas duas semanas do governo interino de Temer, duas coisas ficaram bastante claras, sobretudo depois da divulgação das gravações feitas por Sergio Machado, ex-diretor da Transpetro: primeiro, o golpe foi idealizado pelos Estados Unidos, interessado em nossas riquezas naturais e em recuperar a sua hegemonia no continente, e executado com a indispensável participação dos parceiros brasileiros, entre os quais se destacam a Globo, empresários e políticos; e, segundo, os políticos envolvidos com esquemas de corrupção abraçaram a idéia e entraram no projeto do impeachment porque viram nele a possibilidade de escapar da Lava-Jato, hoje o bicho-papão deste país. Os outros, inclusive o juiz Sergio Moro, foram depois cooptados com homenagens e incenso à vaidade porque se tornaram instrumentos muito úteis ao objetivo principal do projeto: eliminar a possibilidade de Lula voltar ao governo. E parte do povo, do Congresso e do Judiciário simplesmente foi na onda, influenciada pela campanha sistemática da mídia contra o PT, transformando-se em inocentes úteis para os interesses americanos e para a impunidade dos corruptos. Infelizmente.
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Corda no pescoço
Com a divulgação do diálogo entre o ministro Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, ocorrido em março último, pouco antes do deprimente espetáculo da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment da presidenta Dilma Roussef, jogaram titica no ventilador, respingando inclusive no Supremo Tribunal Federal e nas Forças Armadas. A máscara dos que tramaram e executaram o golpe, já transparente, caiu de vez, expondo em toda a sua crueza a cara da verdadeira motivação do afastamento da Presidenta: a garantia da impunidade dos corruptos com o fim da Operação Lava-Jato. Ficou cristalino que era justamente a presidenta Dilma quem assegurava o combate à corrupção através da Lava-Jato e, por isso, os investigados, que hoje compõem o governo interino, se convenceram de que a única maneira de salvar a própria pele era arrancá-la do Palácio do Planalto e montar com Michel Temer um pacto para estancar a operação.
Até os Marinho, que participaram do processo golpista empregando todo o poder do seu império de comunicação, reconheceram a trama para acabar com a Lava-Jato. Em editorial do seu jornal “O Globo” eles afirmaram que “fica translúcido que Jucá e Machado, dois apanhados investigados, tramavam barrar a Operação num eventual governo Temer”. Na opinião dos Marinho, os diálogos também atingem Temer, que no seu discurso de posse disse que fortaleceria e daria continuidade à operação. Por isso, pediram que o Presidente em exercício promovesse o imediato afastamento de Jucá do seu ministério, “até para não dar razão aos lulopetistas, que denunciam uma trama contra a Lava-Jato por trás do impeachment de Dilma”. Ou seja, mesmo sem querer os irmãos Marinho admitiram que os petistas tem razão e, por isso, manifestaram a necessidade de Temer agir com rapidez, o que aconteceu, para impedir que a denúncia ganhasse mais corpo com a divulgação do diálogo.
Temerosa de que as palavras de Romero Jucá pudessem comprometer o governo interino, para cuja instalação foi uma das principais responsáveis, a Globo agiu com muita cautela na divulgação do diálogo publicado pela “Folha de São Paulo”, só dando mais ênfase ao noticiário após intensas negociações com o próprio Temer que, ao que tudo indica, teria autorizado a entrega do seu braço direito às feras. Aparentemente, os Marinho e Temer concluíram que era melhor descartarem logo o agora inconveniente parceiro, de modo a evitar maiores danos à imagem do governo interino, que a Globo se esforça em melhorar, concedendo no “Jornal Nacional” grandes espaços ao Presidente exercício, em matérias editadas com muita habilidade. Não parece tarefa muito fácil, já que Temer, além de mal acompanhado com um ministério recheado de investigados, não tem postura nem carisma de Presidente.
Como seria de se esperar, depois das negociações com a Globo, Jucá foi rapidamente exonerado do Ministério do Planejamento, mas saiu com elogios de Temer e tratamento condescendente dos seus aliados, que fizeram vista grossa para a gravidade do conteúdo da gravação. O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy, por exemplo, disse que Jucá se afastou para se defender mas pode retornar ao cargo ainda “mais forte”, enquanto o senador Tasso Jereissati, citado no diálogo, classificou o fato como “uma conversa entre amigos”. Apenas o PSOL e o PDT reagiram com veemência, pedindo inclusive ao Conselho de Ética a cassação do mandato de senador de Jucá. Representantes dos dois partidos chegaram a lembrar que por muito menos disso Delcidio do Amaral foi preso e teve o mandato cassado, acusado de tentar obstruir a Justiça mediante a suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró.
Como se recorda, apenas com a insinuação de que poderia influenciar a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Delcídio despertou a ira dos magistrados que, indignados, autorizaram a sua prisão. Desta vez Jucá foi muito mais explícito ao dizer que conversou com alguns ministros, acentuando que tem “poucos caras ali (no STF) aos quais não tem acesso” e um deles seria o ministro Teori Zavascki, que classificou como “um cara fechado”. Ele foi mais além, ao revelar o envolvimento desses ministros da Suprema Corte (sem citar nomes) no impeachment, enfatizando que eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim das pressões da mídia pela continuidade das investigações da Lava-Jato. E acrescentou que um eventual governo Temer deveria fazer um pacto nacional “com o Supremo e com tudo” para parar a operação. Apesar da gravidade das declarações, não se viu até agora nenhum gesto de indignação dos magistrados ou providências da Corte para desmentir ou punir o ex-ministro.
Ao contrário do esperado, o ministro Luis Barroso simplesmente afirmou não acreditar que alguém possa ter acesso a um ministro do Supremo para influenciar o seu julgamento. Ele disse, textualmente, durante um seminário promovido pela revista “Veja”: “As instituições despertaram e passaram a funcionar melhor, de modo que é impensável nos dias de hoje supor que alguém tenha individualmente a capacidade de paralisar as instituições ou pensar que qualquer pessoa tenha acesso a um ministro do Supremo para parar determinado julgo". Mais surpreendente ainda foi a reação do ministro Gilmar Mendes, que não viu nada demais nas declarações de Romero Jucá com quem, segundo revelou, mantém uma velha amizade desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. A simpatia ao governo interino de Temer e aos seus integrantes é evidente nesses comportamentos, em escandaloso contraste ao comportamento adotado em relação ao governo Dilma. Resta saber se a Corte, antes tão indignada com as insinuações de Delcídio, não vai se pronunciar sobre o episódio ou mesmo tomar qualquer medida contra Jucá, já que foi colocada numa situação muito delicada. A sua indiferença soará como uma confirmação de tudo o que disse o agora ex-ministro do Planejamento.
O fato concreto é que Jucá escancarou as entranhas do golpe, expondo a trama e seus participantes e, sobretudo, o verdadeiro motivo do afastamento da presidenta Dilma Roussef: assegurar a impunidade dos corruptos com o fim da Operação Lava-Jato. Soube-se ainda que o Procurador Rodrigo Janot já teria a gravação desde março, segurando-a na gaveta para permitir o afastamento de Dilma, o que confirma as suspeitas sobre a sua participação no processo. E agora? Como fica a confiança no Ministério Público? Como fica a imagem da mais alta Corte de Justiça do país e das Forças Armadas apontadas por Jucá como apoiadores de um processo destinado a salvar a pele de corruptos? Como se sentirão as pessoas que foram às ruas pedir a saída de Dilma e descobrem agora que foram usadas como massa de manobra para proteger corruptos? E as que suaram batendo panelas imaginando que o governo Dilma é que era corrupto? Cadê as paneleiras? E como Temer conseguirá se manter no poder, mesmo apoiado pela Globo, rodeado de ministros com a corda da Lava-Jato no pescoço? Vale lembrar Jesus: “A cada um segundo as suas obras”.
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quarta-feira, 18 de maio de 2016
As contradições do Judiciário
O ministro Gilmar Mendes, que ganhou fama por suas decisões escandalosamente políticas, deve ter um poderoso magnetismo, capaz de, por algum mecanismo misterioso, influir no aparelho eletrônico do Supremo Tribunal Federal que sorteia os ministros na distribuição dos processos: só ele é sorteado em ações que envolvem tucanos ou petistas. E suas decisões, antes mesmo sequer de ler os processos, já são conhecidas de todos. Já faz um bom tempo que ele não se importa em exibir suas penas tucanas, o que evidencía nele uma das mais belas virtudes do homem: a gratidão. Único ministro do Supremo nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Gilmar, em seus julgamentos, não se constrange em revelar sua gratidão aos tucanos, ao mesmo tempo em que faz questão de mostrar a sua feroz ojeriza aos petistas. Recentemente, ao comentar o recurso do advogado geral da União, Eduardo Cardozo, pedindo ao Supremo a anulação do processo de impeachment, ele afirmou: “Podem ir ao céu, ao papa, ao diabo”. Ou seja, não adiantava recorrer a quem quer que fosse, porque o impeachment seria confirmado. Isso lembra a declaração do comandante do “Titanic”, quando em sua viagem inaugural: “Nem Deus afunda este navio”. O desfecho todos conhecem.
Há alguns dias Gilmar foi sorteado para relatar um inquérito contra o senador Aécio Neves, acusado de participar de um esquema de corrupção em Furnas. O inquérito foi enviado ao Supremo Tribunal Federal pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, com pedido para que o presidente nacional do PSDB fosse investigado. Gilmar, no entanto, determinou não apenas a suspensão das investigações como, também, do depoimento do senador e das testemunhas, além da coleta de provas, ao mesmo tempo devolvendo o processo a Janot para uma reavaliação. Ninguém se surpreendeu, porque já era esperado um despacho nesse sentido. Afinal, não é a primeira vez que ele manda arquivar ações contra Aécio. Ainda assim, o ministro Lewandowski, talvez por Já aceitar o defeito da roleta eletrônica, encaminhou diretamente ao ministro Gilmar outro pedido de investigação do PGR Janot contra Aécio, desta vez sob a acusação de manipular dados do Banco Rural. Alguém tem dúvidas sobre o destino também desse processo?
Mas isso não acontece apenas no Supremo. Também no Tribunal Superior Eleitoral parece que a roleta eletrônica tem o mesmo vício ou igualmente sofre a mesma influência do magnetismo do ministro Gilmar. Por coincidência ou conveniência, ele foi sorteado para relatar a cassação do mandato da chapa Dilma-Temer, pedida pelo PSDB, sob a alegação de abuso de poder econômico. Embora a prestação de contas da Presidenta reeleita já tivesse sido aprovada pelo Tribunal de Contas da União, Gilmar não apenas aceitou o pedido como ainda solicitou a coleta de outros documentos. E, confirmando o seu interesse pessoal pelo processo, não abriu mão da sua relatoria mesmo assumindo, recentemente, a presidência do TSE. É a primeira vez que um magistrado é, ao mesmo tempo, presidente da Corte e relator de um processo. Será que alguém desconfia das suas intenções?
Há oito anos Gilmar determinou o arquivamento de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa de três tucanos: José Serra, Pedro Malan e Pedro Parente, todos ex-ministros do governo FHC. Recentemente o ministro Luis Barroso, da 1ª Turma do STF, mandou desarquivar as ações. Em compensação o mesmo ministro Gilmar concedeu liminar suspendendo a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil da presidenta Dilma Roussef, sob a alegação de que a sua nomeação tinha o objetivo de obstruir a Justiça. A nomeação apenas retirava as investigações sobre ele da Operação Lava-Jato e as transferia para a órbita do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a justificativa de Gilmar, no entanto, o Supremo não é Justiça, só a Lava-Jato. E até hoje essa liminar aguarda o julgamento do mérito pelo plenário da Corte, o que só deverá acontecer, ao que tudo indica, após a conclusão do julgamento de Dilma pelo Senado, pois se ela for afastada definitivamente a liminar perde o sentido, mas se voltar ao Planalto, com o arquivamento do impeachment, a liminar deverá ser confirmada. E Lula continuará de fora porque é imperioso que lhe seja interditada qualquer possibilidade de voltar ao poder.
Constata-se, lamentavelmente, sem muita dificuldade, que o Judiciário brasileiro se politizou, em todos os níveis, perdendo a posição de mais acreditada instituição do país. E não apenas por conta de suas decisões, muitas delas visivelmente políticas, mas, também, pelas posições de alguns dos seus ministros que, em declarações à imprensa sobre fatos em evidência, deixam escapar as suas preferências político-partidárias, o que compromete a própria Corte. O ministro Gilmar Mendes chega a escancarar a sua coloração partidária quando faz críticas acerbas ao PT. Todo cidadão tem o direito de ter suas preferências políticas, seus candidatos, mas o magistrado, pela natureza da sua atividade, deveria ser mais discreto e evitar manifestar-se publicamente, porque provoca desconfianças sobre a isenção das suas decisões. Até porque em muitos casos eles se tornam julgadores das questões sobre as quais opinaram, antecipando o seu voto quando elas chegam às suas mãos. Quem consegue, por exemplo, confiar no julgamento de magistrados como aquele que participou das manifestações de rua contra o governo? Se continuar nesse ritmo a deusa grega Têmis, que simboliza a Justiça, vai acabar tirando a venda dos olhos e colocando um saco na cabeça. De vergonha.
Dentro em breve o plenário da Suprema Corte deve julgar o mérito da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, determinando ao presidente da Câmara dos Deputados a admissibilidade do pedido de impeachment de Michel Temer. Antes mesmo do julgamento não é difícil prever-se o resultado: a liminar deverá ser derrubada, sob a justificativa de que isso é atribuição do presidente da Câmara. Alguns ministros já sinalizaram nessa direção. Claro que é um sofisma, que atende interesses políticos, porque eles afastaram o deputado Eduardo Cunha da presidência daquela Casa, decisão que deveria também ser da exclusiva competência dos deputados que o elegeram. Não faz muito tempo, o ministro Gilmar Mendes, com uma canetada, decidiu monocraticamente suspender a tramitação, no Senado, de um projeto já aprovado pela Câmara que restringia a criação de novos partidos. E o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao contrário da atitude adotada quando o presidente interino da Câmara anulou o processo de impeachment, aceitou tranquilamente a decisão do ministro e ainda se dirigiu à residência dele, com o deputado Henrique Alves, para pedir que reconsiderasse a sua decisão.
Vale lembrar que tramita na Câmara uma PEC que reduz os poderes do Supremo e que poderá a qualquer momento ser colocada em pauta, para discussão e votação, dependendo apenas do interesse do deputado Eduardo Cunha que, mesmo afastado da presidência da Casa, continua dando as cartas por lá.
terça-feira, 17 de maio de 2016
A banda podre
O governo interino de Temer começou muito mal sob qualquer ângulo que se pretenda vê-lo. Começou nomeando um ministério sem representantes das minorias, sem nomes expressivos das mais diversas atividades e em sua maioria envolvida com problemas na Justiça. Representam, na verdade, com raríssimas exceções, a banda podre do país, precisamente aquela que tramou e executou o golpe. Até a imprensa estrangeira percebeu que o impeachment da presidenta Dilma Roussef foi aprovado no Congresso por uma maioria obtida com os votos de parlamentares investigados pela Justiça, acusados de corrupção, cujos partidos indicaram os ministros. Diante disso, ninguém acredita que Temer, ao contrário do que afirmou no discurso de posse, fortalecerá a Operação Lava-Jato, pois isso significará suicídio, já que muitos dos seus ministros estão pendurados nas mãos do juiz Sergio Moro. E muitos se perguntam: que moral terá esse governo para combater a corrupção?
Além disso, o governo parece uma orquestra desafinada e sem maestro com batuta, em que cada componente, talvez empolgado com o cargo, resolveu dar o tom de acordo com a sua própria sensibilidade musical, sem consultar o chefe, que também parece perdido como cego em tiroteio. O primeiro deles foi o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que, além de revelar tendências ditatoriais pregando uma dura repressão aos movimentos populares, ainda resolveu sugerir mudanças no critério para escolha do chefe do Ministério Público, o Procurador Geral da República, provocando reação imediata dos procuradores e confirmando suspeitas quanto às intenções do governo interino. Por conta disso, nem bem sentou na cadeira de Ministro e já levou um puxão de orelhas do Presidente em exercício, que não o autorizou a falar em seu nome.
Em suas declarações à imprensa, todos disputando para ver quem ocupa mais espaço, os novos ministros, na verdade, estão confirmando as suspeitas quanto ao retrocesso que muitos alertaram sobre o governo decorrente do golpe. O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, por exemplo, já acenou com medidas destinadas a reduzir a cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS), fazendo uma afirmação no mínimo esdrúxula: “Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina”. O ministro Osmar Terra, por sua vez, também sinaliza com um corte de no mínimo 10% no Bolsa Familia, desmentindo o que disse Temer na sua posse. E o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que inaugurou a diplomacia do porrete, no dizer do jornalista Mello Franco, já fala em fechar embaixadas na África e no Caribe. O governo nem bem começou e já estão destruindo tudo o que Lula e Dilma construíram. Até agora nenhuma boa notícia, só cacetada.
Ao mesmo tempo em que Temer tratou, logo no primeiro dia do seu governo interino, de extinguir o Ministério da Cultura, a Controladoria Geral da União e os ministérios do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, conforme a Medida Provisória 726, de 12 de maio em curso, o ministro do Turismo, Henrique Alves, mantido na pasta que ocupava no governo Dilma, se sentiu encorajado a dizer que pretende legalizar os cassinos, os bingos e o jogo do bicho. Paralelamente, anuncia-se a escolha de Pedro Parente, ministro do governo FHC, para o comando da Petrobrás. Parente, junto com José Serra e Pedro Malan, todos ministros de FHC, responde a duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa na 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal. Essas ações, que há oito anos haviam sido arquivadas por determinação do ministro Gilmar Mendes, foram recentemente desarquivadas por decisão do ministro Luis Barroso.
Esse é um pequeno retrato de apenas seis dias do governo interino de Temer, o que já permite aos brasileiros uma pálida idéia do que os espera caso a presidenta Dilma seja afastada em definitivo do Palácio do Planalto. O retrocesso já começou e, infelizmente, deverá acentuar-se no decorrer dos dias, confirmando todos os avisos dados antes mesmo do vergonhoso espetáculo da votação do impeachment pela Câmara dos Deputados. Esse pessoal não consegue enganar mais ninguém e a melhor prova disso foi o panelaço de domingo, durante a entrevista do Presidente interino ao “Fantástico”. Aparentemente as mesmas pessoas que batiam panelas quando Dilma falava, convencidas de que o afastamento dela era a melhor solução para o Brasil, já perceberam o seu êrro de avaliação e corrigiram a direção do panelaço. Até a “Folha de São Paulo”, que apoiou o golpe, já classificou o ministério de “medíocre”. E o governo Temer está só no começo.
segunda-feira, 16 de maio de 2016
Possi vel renúncia
Há uma evidente preocupação dos integrantes do novo governo em acelerar, no Senado, o processo de julgamento da presidenta afastada Dilma Roussef, de modo que a decisão seja tomada bem antes dos 180 dias previstos na Constituição. E essa preocupação se explica: primeiro porque, como interino, o presidente em exercício Michel Temer não tem a força necessária para fazer tudo o que pretende, sobretudo porque não tem legitimidade, e, segundo, porque em seis meses corre o risco de provocar descontentamentos entre os senadores, com a consequente mudança de votos que poderá por um fim no seu sonho presidencial. Afinal, a julgar pelo número de sufragios que lhe permitiu sentar na cadeira presidencial (55 x 22) ele ficou pendurado em apenas três votos, uma frágil maioria, para continuar Presidente até 2018. E por conta disso, no primeiro dia do novo governo alguns ministros já emitiam sinais de insegurança diante das primeiras críticas, surgidas no Senado, entre os que votaram a favor do impeachment.
Na verdade, tudo leva a crer que o processo não ultrapassará os 90 dias, devendo estar concluído até setembro vindouro, quando o ministro Ricardo Lewandowski, que presidirá o julgamento no Senado, deixará a presidência do Supremo Tribunal Federal, devendo ser substituído pela ministra Carmem Lúcia. O próprio Lewandowski, aliás, já manifestou o desejo de encerrar a sua tarefa no Senado antes do término do seu mandato de presidente do STF. E enquanto isso não acontece, Temer vai governar pisando em ovos, caminhando com muito cuidado para não pisar nos calos de algum senador ou desagradar algum partido, o que significa andar no fio da navalha. Esse é o grande problema de quem não chegou à Presidência pelo voto popular, sem força para impor-se, o que o torna refém de todos os que podem influenciar o voto dos senadores e, consequentemente, o resultado do julgamento. Encurtar o tempo do processo, portanto, reduz a possibilidade de acontecer algo que possa mudar o jogo.
Mas isso é apenas uma pequena amostra das suas enormes dificuldades como Presidente sem legitimidade. Ele também é refém do PSDB, que pediu ao Tribunal Superior Eleitoral a cassação do mandato da chapa Dilma-Temer, alegando uma série de irregularidades. E como o TSE é agora presidido pelo ministro Gilmar Mendes, um tucano que há muito deixou de esconder as penas, não parece muito difícil adivinhar a sua posição. Embora tenha recentemente aventado a possibilidade, muito difícil, de separar Temer de Dilma no processo em curso no TSE, obviamente já maquinando uma fórmula capaz de cassar apenas o mandato da Presidenta afastada, Gilmar terá um trunfo nas mãos para impedir que o Presidente interino faça algo que desagrade o ninho tucano. O guru do partido, aliás, o ex-presidente Fernando Henrique, já afirmou que o governo é do PMDB e não do PSDB, sinalizando, inclusive, a possibilidade de abandoná-lo caso não cumpra as exigências tucanas. Uma carta de seguro para o caso de dar tudo errado.
O fato é que, consciente do caminho torto que palmilhou para chegar à Presidência, Temer já dá mostras de fragilidade. Ele parece perdido em meio às críticas de todos os lados, inclusive de seus aliados golpistas. E depois de recuar da extinção do MinC, já recuou do recuo, mantendo a cultura no MEC, cujo titular, Mendonça Filho, está sendo rejeitado até pelos que aprovaram o golpe. Além disso, a reação de alguns países latino-americanos, que se recusam a reconhecê-lo como presidente do Brasil, amplia o seu isolamento. A situação está ficando tão difícil que integrantes do seu governo já falam em pedir ajuda ao ex-presidente Lula, assim como alguns jornalistas que defenderam o golpe, como Eliane Cantanhede, que já fazem apelo por uma trégua, um gesto que poderia ter sido feito antes da aprovação do impeachment pela Câmara. E a oposição ao novo governo, afora manifestações populares isoladas, ainda nem começou a dar sinais de vida no teatro político, o que poderá acontecer já nesta semana com ações na Justiça contra a posse de alguns ministros sob investigação. E que não são poucos.
A insegurança do Presidente interino, já percebida logo no seu discurso de posse, poderá agravar-se no decorrer dos dias, sobretudo quando anunciar o seu programa de privatizações, já desenhado pelo seu escudeiro Moreira Franco – e avalizado pela Globo – que deverá desencadear reações mais intensas em todo o país. Pelo que se conseguiu observar nestes primeiros momentos do novo governo, Temer não parece ter estrutura para resistir às pressões, sobretudo dos próprios aliados, mesmo tendo o apoio da imprensa, o que poderá encurtar a sua gestão com uma difícil mas não impossível renúncia antes da conclusão do julgamento de Dilma pelo Senado. Se tal acontecer, estará escancarado o caminho para eleições presidenciais em outubro deste ano, junto com o pleito municipal, o que se apresenta como a melhor solução para tirar o país dessa situação. Afinal, só um governo eleito pelo povo, em eleições livres e limpas, terá legitimidade e forças para tomar as medidas necessárias, incluindo as reformas reclamadas, para recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento. E qualquer que seja o eleito, certamente aproveitará as lições deste episódio para não cometer os mesmos erros.
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Perspectivas sombrias
O Brasil inicia um novo capítulo em sua História, mais uma vez sob um governo imposto pelas mesmas forças que destronaram Dom Pedro II, mataram Getúlio e derrubaram Jango e Dilma. E com o decisivo apoio da mesma imprensa golpista que, daqui a 50 anos, provavelmente voltará a pedir desculpas por sua participação no processo. É um governo sem nenhuma legitimidade, porque sem os votos do povo, de quem “todo o poder emana”, segundo a nossa esculhambada Constituição. E sem apoio popular o governo Temer, pelos sinais emitidos antes mesmo de tomar posse, não terá nenhum compromisso com as causas do povo, que pode assistir o desmoronamento de todas as conquistas sociais obtidas nos governos Lula e Dilma. E pior: pode vir a ser tratado com cassetete e balas de borracha, conforme ameaça do novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que antes mesmo de assumir a pasta classificou as recentes manifestações populares contra o golpe como “atos de guerrilha”, o que, segundo ele, transforma os seus participantes em criminosos e como tal deverão ser tratados.
Na verdade, não se pode esperar outro comportamento de um governo que foi construído sem voto mas com conspirações, traições, hipocrisias, cinismos e sofismas. Os últimos sofismas, já no último ato do golpe, ficaram por conta do senador Renan Calheiros, presidente do Senado, e do ministro Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal. Renan recusou-se a aceitar a anulação do processo de impeachment na Câmara, decretada pelo seu presidente interino Waldir Maranhão, e garantiu o seu prosseguimento no Senado, sob a alegação de que "nenhuma decisão monocrática pode se sobrepor a uma decisão colegiada" de 367 deputados, enquanto ele própria decidia, monocraticamente, anular uma decisão de 54 milhões de eleitores. E o ministro Zavascki, ao negar o recurso do Advogado Geral da União pedindo a anulação do processo, alegou que o Supremo não podia interferir em atribuições do Legislativo. Mas além de estabelecer o rito para o desenvolvimento do processo de impeachment no Congresso o STF ainda afastou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Por acaso isso não foi interferência no Poder Legislativo? Será que Renan e Teori imaginam que todos os brasileiros são imbecis, como aqueles deputados que gritaram, na votação do impeachment, “pela minha mãe, pelo meu filho que vai nascer, pela minha tia que me criou”?
Não há dúvida de que o presidente interino Michel Temer, por não ter legitimidade e também por ser interino, terá sérias dificuldades para governar, sem condições para superar as crises e solucionar os problemas do país, mesmo com o apoio dos congressistas que aprovaram o golpe. Até porque montou um ministério que não representa a sociedade brasileira, sem mulheres e sem negros. E ao transformar a escolha dos ministros num balcão de negócios em busca de apoios, método tão criticado pela oposição e pela mídia quando praticado por Dilma, acabou trazendo de volta, com algumas exceções, praticamente o mesmo ministério do governo golpeado. Entre os “novos” ministros estão Eliseu Padilha, Gilberto Kassab e Henrique Alves, além de Romero Jucá, ex-líder do governo Dilma, e ex-integrantes do governo Lula, como Henrique Meireles. Conclui-se daí que essa turma já poderia vir sabotando o governo ao qual servia e conspirando para a sua queda, obviamente em favor de Michel Temer que, por sua vez, ficou nas sombras comandando o processo que o levaria por um atalho à Presidência. E ele conseguiu.
Os primeiros revezes de Temer, no entanto, poderão surgir justamente por conta desse ministério, onde pontificam sete nomes investigados, entre eles Romero Jucá e José Serra. O novo ministro do Planejamento está sob investigação da Operação Lava-Jato, enquanto o novo ministro das Relações Exteriores responde a processo, por improbidade administrativa, na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. O processo de Serra, referente a atos praticados no governo FHC, foi arquivado há oito anos por determinação (adivinhem de quem!) do ministro Gilmar Mendes e recentemente desarquivado por decisão do ministro Luis Barroso. Os dois novos ministros do governo Temer poderão ter a sua posse anulada pelo STF caso solicitada pela nova oposição, a exemplo do que aconteceu com o ex-presidente Lula, quando nomeado para a Casa Civil de Dilma. Bastará que alguém ingresse com uma ação na mais Alta Corte de Justiça, que terá dificuldade em negá-la. O que surpreende é o silêncio da mídia em torno dos ministros sob investigação, o que a torna conivente com Temer e com eles.
O fato é que, ilegítimo ou não, existe um novo governo, a partir do qual é preciso pensar o futuro do país. As perspectivas, porém, são bastante sombrias, considerando os sinais emitidos pelo próprio Temer e pelos seus ministros, a começar pela ameaça de repressão aos movimentos populares, o que já compromete a democracia. Embora o novo Presidente, em seu pronunciamento oficial, tenha tentado tranquilizar o povo com a garantia de que não mexerá nos programas sociais, poucos acreditaram no que ouviram, já que a tal “ponte para o futuro” sinaliza o contrário. E o novo ministro do Planejamento já fala em auditoria em programas como o Bolsa Familia, o que sugere uma preparação para os cortes. Ninguém tem dúvidas, por outro lado, de que ele deverá deflagrar uma nova onda de privatizações, tendo como alvo principal a Petrobrás e o pré-sal. Afinal, não parece ter sido mera coincidência a escolha de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores, justo ele que apresentou projeto abrindo o pré-sal para o capital estrangeiro. E depois da notícia do wikileaks, de que Temer era informante dos Estados Unidos, não será exagero pensar que sua indicação – que, aliás, contrariou o seu partido, o PSDB – pode ter sido feita pelos americanos. Por via das dúvidas, não custa esperar para ver os primeiros passos desse novo governo, que de “novo” não tem nada.
quinta-feira, 12 de maio de 2016
Consumatum est
Consumou-se o golpe. Na verdade não houve nenhuma surpresa, porque ficou evidente, até para a imprensa estrangeira, o vergonhoso e escandaloso complô para afastar a presidenta Dilma Roussef, com a participação da mídia, do Judiciário, do Ministério Público, da Policia Federal e dos políticos da oposição, inclusive dos que estavam disfarçados dentro do próprio governo, entre eles o vice-presidente Michel Temer, sem dúvida o grande beneficiário do processo. Nenhum argumento seria capaz de demover deputados e senadores de aprovarem o impeachment, porque para eles não interessava se a Presidenta era culpada ou inocente e muito menos se estavam estuprando a Constituição, pois o que importava mesmo, independente dos seus efeitos para a democracia, era arrancar Dilma da Presidência da República. Depois do golpe, invocar a Carta Magna para justificar ações ou decisões será puro cinismo, que servirá apenas para desacreditar quem o fizer. E a Constituição se torna mero instrumento, sem nenhum respeito, ao sabor de interesses nem sempre confessáveis.
Como o Brasil é o país dos fatos consumados, Dilma não deverá mais voltar ao Planalto depois dos 180 dias, porque o seu julgamento pelo Senado continuará sendo uma farsa, onde todos já sabem antecipadamente o seu resultado. O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF, disse no inicio da semana que após o julgamento do impeachment a Corte deverá decidir, se instada a se pronunciar, se cabe debate jurídico sobre o processo. Apesar do respeito que o ministro Lewandowski merece, tal declaração soa como uma grande piada de mau gosto, pois depois do golpe consumado para que servirá um debate jurídico? Se houvesse realmente interesse da Corte em cumprir a Constituição, tal debate deveria ser realizado antes do julgamento. Por conta disso, todas as ações intentadas pelo Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, para reverter a situação foram inócuas, pura perda de tempo, já que o Supremo, que seria a última trincheira como guardião da Constituição, adotou um comportamento conivente com o golpe, na medida em que lavou as mãos e permitiu, indiferente, que a violação da Carta Magna se perpetrasse diante dos seus olhos. A posição da Corte, aliás, ficou bem clara nas palavras do ministro Gilmar Mendes, ironizando o recurso de Cardozo contra o impeachment, previsivelmente negado por Teori Zavascki: “Eles podem ir para o céu, ao Papa ou ao Diabo”.
O processo, no entanto, serviu para mostrar ao país e ao mundo a verdadeira cara de nossas instituições, hoje partidarizadas, que não se importam com a preservação do estado democrático de direito quando o poder está em jogo. E a partir de agora ninguém mais terá garantia constitucional, inclusive os governantes, que podem ser “impichados” por qualquer motivo se não tiverem maioria nos legislativos. A insegurança jurídica e política instalou-se no país. E qualquer cidadão poderá ser preso a qualquer momento, mesmo sem ter praticado nenhum crime, bastando para isso a interpretação subjetiva da autoridade sobre evidências e indícios. Depois da extinção da presunção de inocência, todos são culpados, especialmente se ligados a Lula, a Dilma ou ao PT, porque a seletividade virou norma. Antes mesmo de concluída a investigação, já se divulga que o acusado é suspeito, o suficiente para que seja condenado a priori pela mídia e pelos seus leitores. Reputações são, assim, destruídas e ninguém é punido por isso, o que tornou a prática rotineira no Ministério Público e no Judiciário. A partidarização das instituições lançou o país num caminho muito perigoso, cujas consequências são imprevisíveis.
Tem-se a impressão, por outro lado, que os executores do golpe não queriam Michel Temer na Presidência, mas tiveram de se contentar com ele para dar a idéia de que a Constituição foi cumprida, ou seja, para assegurar uma aparência de legalidade. Temer vai ter de cumprir a cartilha que escreveram para ele, do contrário também correrá o risco de ser defenestrado do Planalto antes de 2018, o que significa que governará com a espada no pescoço. Na verdade, ninguém espera que ele faça algo diferente de Dilma, mesmo contando com o apoio no Congresso dos que aprovaram o impeachment, porque o seu ministério é praticamente o mesmo dela. Embora tenha comemorado discretamente o afastamento de Eduardo Cunha pelo STF, pois não sabia como livrar-se de tão incômoda companhia, ainda é prematuro dizer que o dono de contas na Suiça é carta fora do baralho. Cunha, na verdade, mesmo de fora da Câmara, continua dando as cartas por lá através dos seus escudeiros e parece que tem um trunfo na manga da camisa que pode criar sérios embaraços para Temer. Por isso, o novo Presidente, certamente consciente do perigo, deverá tratá-lo a pão-de-ló.
Enquanto Dilma é afastada da Presidência e Temer assume a sua cadeira, atropelando mais de 54 milhões de votos, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot, deixando cair de vez a máscara de isenção e tornando evidente a sua contribuição ao golpe, aproveita a fragilidade da Presidenta para primeiro denunciá-la ao Supremo, junto com o ex-presidente Lula e o advogado da União Eduardo Cardozo, por “tentativa de obstruir a Justiça”, e em seguida sugere à Corte a derrubada da liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que determinou à Câmara dos Deputados o recebimento do pedido de impeachment de Michel Temer. Abandonando a discrição que o caracterizava até ser reconduzido por Dilma para a Procuradoria Geral da República, Janot mostra agora a sua verdadeira cara, que escondeu da Presidenta até a sua recondução ao cargo. O processo do impeachment pelo menos teve esse mérito: permitiu que os traíras saíssem das sombras e revelassem a cara. A partir de agora, portanto, só se engana com eles quem quiser.
E diante do novo panorama ninguém se surpreenda se a perseguição a Lula se intensificar a partir de agora, inclusive com a sua prisão sem causa, porque para os conspiradores e executores do golpe, para que possam permanecer encarapitados no poder, é vital que eliminem o ex-presidente operário da vida pública, diante do risco dele voltar ao Planalto em eleições livres e limpas. Se tal acontecer o Judiciário estará decretando o seu completo descrédito, pois existem vários políticos alvos de inquéritos no Supremo, inclusive senadores, que continuam desfilando como vestais, sem serem sequer incomodados. Além disso, a prisão do ex-presidente incendiaria o país, agravando a já conturbada situação decorrente do golpe, que provoca uma onda de protestos em todo o território nacional. Os golpistas, que são os mesmos que, inconformados com a derrota nas eleições de 2014, infernizaram a vida de Dilma desde o inicio do seu segundo mandato, deverão, assim, provar do mesmo remédio amargo. Temer, portanto, apesar do apoio de todos os que, direta ou indiretamente, participaram do golpe, vai ter de beber do mesmo cálice.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
As marcas do golpismo
A História se repete. A ingratidão, a traição e a conspiração sempre marcaram a História do Brasil, sendo mais visíveis nos golpismos, mais precisamente na derrubada de governos legalmente constituídos, a começar pelo Segundo Reinado. O Imperador Pedro II, que assumiu o trono aos 15 anos incompletos quando foi decretada a sua maioridade, foi destronado por um golpe conspirado pela elite da época e executado por militares que desfrutavam da sua intimidade, entre eles Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto, os quais proclamaram a República. E sem que ele houvesse praticado qualquer crime o expulsaram do país com a sua família, obrigando-o a deixar o Rio de Janeiro às pressas, a bordo do navio “Alagoas”, com destino a Portugal, onde morreu, proibido de voltar à terra que o viu nascer e que tanto amava. Um dos oficiais que lhe entregaram o decreto de banimento, o tenente Joaquim Ignácio, chegou a propor o seu fuzilamento, o que não foi acatado pelos comandantes do levante. Esse oficial vem a ser avô do ex-presidente FHC.
Dom Pedro II, considerado o maior estadista que este país já teve, governou o Brasil durante meio século, período marcado pela paz, pelo progresso, pelas liberdades e pela abolição da escravatura. Sua avançada gestão foi reconhecida no mundo inteiro, onde o ideal republicano já se materializava. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde o movimento republicano chegaria aqui, mas pretendia fazer a transição de forma tranquila, mediante proposta encaminhada ao Parlamento. Seu desejo era entregar o poder e recolher-se à sua casa em Petrópolis, onde queria viver o resto da sua vida como simples cidadão. Foi traído, porém, pelos que frequentavam a sua casa e surpreendido com a quartelada que o baniu do país, subtraindo-lhe a cidadania. Afinal, que crime teria cometido para ser tratado como criminoso? O que mais lhe doeu foi saber que o autor intelectual do golpe, que desaguou na Proclamação da República, foi o tenente-coronel Benjamin Constant, o mais íntimo dos golpistas.
Amigos do imperador ainda tentaram derrubar o ato de banimento, impetrando no Supremo Tribunal Federal um pedido de habeas corpus para que ele pudesse retornar à sua terra, o Brasil, como simples cidadão. Os ministros da época, no entanto, assim como hoje, preferiram ignorar a justiça do pedido e simplesmente o negaram com argumentos frágeis, inclusive o de que, por ter sido banido, Dom Pedro deixava de ser brasileiro e, portanto, sem direito à medida. Outra justificativa foi a de que o habeas corpus não foi solicitado por nenhum dos seus parentes, mas pelos jornalistas Olympio Lima e Alberto Veiga e pelo advogado Urbano Neves. Uma vergonha. Somente mais de 30 anos depois, mais precisamente em 1921, é que o então presidente Epitácio Pessoa corrigiu a injustiça, revogando o ato de banimento, mas já era tarde, porque o casal real já havia morrido. O ato, no entanto, permitiu que os despojos do Imperador e da sua esposa Teresa Cristina fossem trasladados de Portugal para o Brasil. Alguma semelhança com os tempos atuais?
Pouco mais de 30 depois perpetrou-se novo golpe, que culminou com o suicídio de Getulio Vargas no dia 14 de agosto de 1954. Responsável pelo extraordinário surto de progresso experimentado pelo país durante seu governo, quando criou as grandes estatais, inclusive a Petrobrás; a CLT, a Previdência Social, a Justiça do Trabalho, o salário mínimo, que lhe valeram o cognome de “Pai dos pobres”, Getúlio não resistiu às pressões da mídia e dos conspiradores, à frente Carlos Lacerda, e deu um tiro no peito. Deixou, porém, uma carta-testamento em que denunciou os responsáveis pelo seu gesto extremo, dizendo a certa altura: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do Trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”. Alguma semelhança com os tempos atuais?
Só foram necessários mais 10 anos para que houvesse um novo golpe, desta vez executado pelos militares no dia 31 de março de 1964. O presidente João Goulart, que assumiu o governo em virtude da renúncia do presidente Jânio Quadros, foi derrubado com a ajuda quase explícita dos Estados Unidos, que temiam fosse o Brasil conduzido por ele para os braços do comunismo, um fantasma que assombrava os americanos e assombra até hoje o deputado Jair Bolsonaro. Qual foi o crime de Jango? Ter visitado a China e a União Soviética. E a ditadura militar perdurou por mais de 20 anos, subtraindo as liberdades e deixando um triste saldo de perseguições, torturas e mortes. Alguns políticos da época, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, se escafederam para não serem presos. FHC se abrigou no Chile, onde viveu um doce exilio pilotando uma Mercedes azul pelas ruas de Santiago. Enquanto isso, Lula e Dilma permaneciam no Brasil, lutando pela restauração da democracia, tendo sido presos e torturados. E muitos dos que hoje os perseguem, desfrutando das liberdades democráticas conquistadas por eles, apoiaram o golpe militar ou simplesmente se acomodaram ao largo dos perigos. Alguma semelhança com os tempos atuais?
Agora, após mais de 20 anos, a jovem democracia brasileira sofre mais um golpe, desta vez parlamentar, embora orquestrado pelas mesmas forças que mataram Getúlio e derrubaram Jango. E com o apoio da mesma midia. Qual o crime de Dilma e Lula? Maior atenção à pobreza, com programas que beneficiaram mais de 40 milhões de pessoas, e independência de fato do Brasil, que deixou de balançar a cabeça como vaca de presépio e se impôs como potência emergente, ao ponto do presidente Barack Obama dizer sobre Lula: “Esse é o cara”. E é precisamente esse cara que teve a vida devassada pela Policia Federal, mesmo sem ter praticado nenhum crime; foi impedido de assumir um ministério no governo Dilma e vive ameaçado de prisão, sem motivo. O fantasma do comunismo foi substituído pelo petismo, que a imprensa criminalizou mediante uma campanha sistemática de intolerância e ódio. E o Supremo, a exemplo daquele que negou o habeas corpus a Dom Pedro II, continua o mesmo, indiferente à vergonhosa injustiça que se pratica contra Dilma e Lula. Constata-se que a frase de Getúlio, em sua carta-testamento, continua muito atual: “Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Depois de Dilma...
Podem esfregar na cara dos senadores as provas da inocência da presidenta Dilma Roussef que isso não produzirá nenhum efeito. Para os golpistas não importa que ela seja inocente, pois já decidiram arrancá-la da Presidência da República de qualquer maneira, não mais pelos crimes de responsabilidade constantes do pedido de impeachment mas pelo que denominaram de ”conjunto da obra”, ou seja, os problemas decorrentes das crises política e econômica que eles próprios geraram. Convencidos de que ela não cometeu nenhum crime, conforme didaticamente explicado pelos juristas na Comissão Especial do Senado, os defensores do golpe buscam, cinicamente, justificar o seu voto com um discurso de oposição, acusando-a pela inflação, pelo desemprego, etc, etc. E a Comissão se transformou no palco de uma farsa, onde se busca dar aparência legal a um processo viciado desde o princípio, com uma visível e escandalosa violação da Constituição Federal para atender a um projeto de poder, orquestrado de fora para dentro, que não passa pelas urnas. E que inclui o banimento do ex-presidente Lula da vida pública.
No decorrer da execução desse projeto, que começou a evidenciar-se no julgamento do chamado “mensalão” e ganhou força com a Operação Lava-Jato, contando com a decisiva participação da grande imprensa para criminalizar os petistas numa campanha sistemática de ódio e intolerância, as máscaras foram caindo gradativamente, revelando a verdadeira cara dos agentes executores e, sobretudo, dos conspiradores e beneficiários do golpe. O combate à corrupção, que teve o aval da Presidenta e a aprovação do povo porque todos acreditavam na seriedade da ação, acabou revelando-se pano de boca para encobrir dos olhos da população o seu verdadeiro objetivo: fragilizar o governo da própria Dilma, de modo a facilitar a sua derrubada, e afastar o ex-presidente Lula do cenário político. Isso ficou cristalino com a seletividade dos investigados e dos vazamentos dos depoimentos, num conluio entre o Ministério Público, a Policia Federal, o Judiciário e a grande mídia. E as delações sem provas, arrancadas ao sabor dos interesses dos que ambicionam o poder, se tornaram a base para as prisões e condenações.
Diante do iminente afastamento da presidenta Dilma Roussef, com a consequente posse do vice-presidente Michel Temer, muitas das peças da engrenagem golpista que ainda atuavam disfarçadamente começaram a mostrar-se, agindo agora sem a menor cerimonia na execução da sua tarefa. É o caso, por exemplo, do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que praticamente às vésperas da votação do impeachment de Dilma pela Comissão Especial do Senado decidiu denunciar o ex-presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal, sob a acusação de “TENTAR comprar o silêncio” do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró. Depois de acusá-lo sem sucesso de “ocultação de patrimônio”, porque não conseguiram provar que ele era o dono do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, essa suposta TENTATIVA de silenciar Cerveró é o mais novo crime de Lula. Um verdadeiro escárnio à inteligência do povo brasileiro.
Janot, que se manteve discreto até ser reconduzido por Dilma para a Procuradoria Geral da República, deu com essa denúncia o primeiro passo para a nova etapa da vergonhosa perseguição ao ex-presidente operário que, na visão vesga dos seus adversários, estará mais vulnerável depois da queda de Dilma, mesmo com a sua popularidade em alta, conforme atestam as pesquisas. Eles não se preocupam mais em dissimular a intenção de banir Lula da vida pública, na verdade o objetivo de toda essa operação que vem se arrastando há alguns anos, porque enquanto o “sapo barbudo” estiver bulindo ninguém mais conseguirá conquistar o poder pela via democrática, ou seja, pelo voto popular. E enquanto caçam o ex-torneiro mecânico por um suposto crime subjetivo, o deputado Eduardo Cunha, com um monte de inquéritos e provas de atividades ilícitas, afronta o próprio Procurador Geral da República, a Operação Lava-Jato e o Supremo Tribunal Federal, desafiando-os a afastá-lo do comando da Câmara Federal. “Daqui só saio em janeiro de 2017”, ele disse. E, pelo visto, ainda vai assumir o governo nos impedimentos eventuais de Temer, sob os olhares atônitos do mundo inteiro.
O país, na verdade, está perplexo diante do comportamento leniente do Supremo, que vem há vários meses procrastinando o julgamento do afastamento de Cunha da presidência da Câmara, onde ele usa e abusa do cargo com manobras para impedir que o Conselho de Ética casse o seu mandato. E tudo isso com a conivência dos zelosos moralistas do PSDB e do PMDB, que não movem um dedo para defenestrá-lo da presidência da Casa, obviamente porque a permanência dele no cargo atende a seus interesses. Do mesmo modo já comentam a boca pequena, nos corredores do Legislativo, que também o STF faz vista grossa para as suas diatribes porque ele deverá conduzir a votação e aprovação da proposta de aumento de vencimentos do Judiciário. Ou seja, fica evidente que todos os discursos moralistas permanecem mesmo apenas como discursos, porque ninguém parece disposto a abrir mão dos seus interesses em favor dos interesses maiores da Nação.
O fato é que a novela do impeachment da presidenta Dilma Roussef está chegando ao seu desfecho, o que, no entanto, não significa o fim dos problemas do país. A agitação nas ruas vai crescer de intensidade e os novos detentores do poder vão provar do mesmo remédio que ministraram a Dilma desde o início do seu segundo mandato. Na verdade, depois do afastamento dela da Presidência da República ninguém mais terá segurança neste país, principalmente os governantes de qualquer nível – municipal, estadual ou federal – porque a Constituição, vilipendiada, perdeu a sua autoridade. E ninguém precisará de prova para derrubar prefeitos, governadores e até o presidente, bastando para isso ter apenas a maioria nos legislativos. O mau exemplo, aliás, já está sendo seguido por algumas Câmaras de Vereadores no interior do país, onde os seus respectivos Cunhas estão convencidos da inutilidade da Carta Magna, o que, infelizmente, representa a falência das instituições. Enquanto se observa uma visível deterioração das instituições, por conta justamente de comportamentos desrespeitosos à Constituição, só uma se mantém incólume, forte e respeitada, ao largo das tricas e futricas que desaguaram no golpe parlamentar: as Forças Armadas. Até agora elas tem se mantido quietas e discretas, quase esquecidas, o que, no entanto, não significa que estão alheias aos acontecimentos.
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Um golpe barato
Custou R$ 45 mil, para os cofres do PSDB, o golpe em andamento no Senado. Foi esse o preço que os tucanos pagaram pelo pedido de impeachment encomendado aos advogados Miguel Reale e Janaina Paschoal. Sem dúvida foi muito barato, diante dos prejuízos incalculáveis, de ordem moral, política e econômica, causados à Nação. Evidente que para os tucanos e seus cúmplices, em especial o vice-presidente Michel Temer e o deputado Eduardo Cunha, os graves danos causados à democracia e à imagem do Brasil no exterior, nessa aventura de consequências imprevisíveis, não tem a menor importância, desde que alcancem o poder que não conseguiram conquistar nas urnas. Para eles pouco importa os efeitos desastrosos do golpe nos países latino-americanos e, muito menos, a máscara de republiqueta de bananas que voltaram a afivelar na cara do Brasil, hoje alvo de chacota sobretudo pelo espetáculo deprimente oferecido pelos deputados vira-latas.
O processo ainda não terminou, mas a ansiedade pela tomada da Presidência da República é tamanha que eles já começaram a montar o novo governo, com a escolha de ministros entre os que participaram da conspiração. Ao mesmo tempo, também divulgam os seus planos de governo, os quais se revelam escandalosamente contrários aos interesses do país porque, obviamente, eles não foram eleitos pelo povo e, portanto, não precisam do seu aval para fazer o que desejam. Entre outras coisas já anunciaram que vão privatizar “tudo o que for possível”, o que certamente inclui a Petrobrás (o pré-sal), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, dando sequência à dilapidação do patrimônio nacional iniciada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e interrompida pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva. Com José Serra no Ministério das Relações Exteriores isso não será muito difícil, pois é certo o reatrelamento do Brasil aos Estados Unidos, com todas as mazelas daí decorrentes.
Apesar da sede ao pote dos golpistas, no entanto, o sonho deles de acabar com as conquistas sociais e entregar as nossas riquezas naturais ao capital estrangeiro pode não se realizar, a não ser que o Supremo Tribunal Federal se mantenha de braços cruzados, assistindo a banda passar sob a batuta do maestro Temer, executando a música da Direita e deliciando-se com as piruetas do baliza Cunha. Segundo alerta feito pelo jurista Jorge Rubem Folena de Oliveira, mesmo que o Senado aceite o pedido de impeachment da presidenta Dilma Roussef e o vice-presidente Michel Temer assuma o governo ele não poderá nomear ou exonerar ministros porque Dilma não deixará de ser Presidente, apenas ficará suspensa enquanto aguarda o julgamento do seu afastamento do cargo pelo Senado. “Portanto – destaca o jurista – o vice-presidente somente sucederia a presidenta Dilma, e só então poderia constituir um novo governo, nos casos de condenação definitiva por impeachment (impedimento), ou havendo vacância por morte ou renúncia. Fora disto – acrescenta – não existe possibilidade constitucional de o vice-presidente constituir um novo governo, com a nomeação de novos ministros, na medida em que o Brasil ainda tem uma Presidenta eleita pela maioria do povo brasileiro, que apenas estará afastada das suas funções para se defender das acusações no Senado Federal”.
O cinismo, no entanto, enquanto isso, corre solto entre os conspiradores, traidores e defensores do golpe. O vice Michel Temer e seu escudeiro Romero Jucá, por exemplo, já afirmaram que “eleição é golpe” e o ex-ministro Gilberto Kassab, presidente do PSD, que pulou do barco às vésperas da votação na Câmara como os ratos fogem do navio, disse em artigo no 247 que “entre os extremos de nossa crise política, os que denunciam um golpe contra o governo e os que exaltam o regime militar, estão a vida e o destino de mais de 200 milhões de brasileiros ameaçados seriamente pelas crises política e econômica”. Ele esqueceu de citar, obviamente porque estaria se referindo a si próprio, “os que fazem o golpe” e não apenas os que o denunciam. E foi mais além, quando disse: “Agora, mais do que nunca, é preciso responsabilidade e equilíbrio para não ampliarmos a descrença e o ceticismo com a democracia no Brasil”. É muita cara-de-pau. Aliás, a mesma da ex-senadora Marina Silva que, ao invés de preocupar-se com o golpe, está preocupada mesmo é com a banalização da palavra. São esses, lamentavelmente, os líderes que se apresentam como alternativas de poder.
E enquanto a situação do país se agrava e o povo protesta nas ruas contra a ação dos golpistas, tem prosseguimento na Comissão Especial do Senado a farsa do processo de impeachment, que se desenvolve com aparência de legalidade porque tudo é um jogo de cartas marcadas, conforme denunciou a senadora Gleisi Hoffman. Quem deixou escapar a farsa foi o senador Ronaldo Caiado, do DEM, ao afirmar que as votações da comissão se darão pelo mesmo placar: 16 votos a favor do impeachment e cinco contra. O cinismo desse pessoal é tamanho que eles não se preocupam mais em disfarçar a viciação do processo, o que levou a senadora Hoffman a indagar: “O que estamos fazendo aqui?” Ela lembrou que “deveríamos poupar o tempo do Senado e da Nação, porque este é um processo viciado”. Para completar, o relator, senador Antonio Anastasia, do PSDB, é acusado de cometer no governo de Minas as mesmas “pedaladas fiscais” de que acusam Dilma, além de responder também à acusação da Controladoria Geral do Estado de ter superfaturado as obras de um centro internacional de meio ambiente, que envolveu recursos da ordem de R$ 230 milhões. Será que esse homem tem autoridade moral para pedir o afastamento da Presidenta? Com a palavra o Supremo!
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