domingo, 31 de julho de 2016

Na mira de Moro

Demorou mas aconteceu o que todos já esperavam, considerando-se a vergonhosa perseguição ao principal alvo da Operação Lava-Jato: o ex-presidente Lula foi denunciado pelo Ministério Público Federal de Brasilia sob a acusação de TENTAR obstruir os trabalhos da Justiça. Junto com ele, na mesma denúncia, estão o ex-senador Delcidio do Amaral, o pecuarista Carlos Bumlai e o banqueiro André Esteves, além de outras três pessoas. Segundo a denúncia, o grupo “impediu e/ou embaraçou investigação criminal que envolve organização criminosa” e queria comprar, por R$ 250 mil, o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobrás, que se preparava para fazer a sua delação premiada. Se a questão não fosse tão séria dir-se-ia tratar-se de uma piada de muito mau gosto, como tantas outras que há algum tempo parece ter se tornado rotina no Judiciário. Depois da fracassada tentativa de acusar Lula de ocultação de patrimônio, apontando-o como proprietário de um sítio em Atibaia e um triplex no Guarujá que não são dele – e apresentando pedalinhos e um barco de lata como evidências (outra piada) – agora o acusam de tentar obstruir a Lava-Jato. À falta de corrupção, depois de virarem a sua vida pelo avesso, foi essa a melhor acusação que conseguiram arranjar contra ele para bani-lo da vida pública, de modo a impedi-lo de concorrer às próximas eleições presidenciais. Afinal, qual o interesse do ex-presidente operário em silenciar Cerveró, que não tinha nada contra ele? E seria até uma ofensa oferecer míseros R$ 250 mil pelo silêncio de um homem acusado de roubar muitos milhões de reais. Constata-se que os acusadores de Lula, diante da inexistência de fatos concretos, estão empenhados agora em buscar, no campo subjetivo, algo que possa incrimina-lo. O Instituto Lula reagiu a essa caçada, à semana passada, divulgando comunicado em que diz:”Em mais de 40 anos de atividade pública, a vida do ex-presidente Lula foi vasculhada em todos os aspectos: político, fiscal, financeiro e até pessoal. Nenhum político brasileiro foi tão investigado, por tanto tempo: pelos organismos de segurança da ditadura, pela imprensa, pelos adversários políticos e por comissões do Congresso durante seus dois mandatos.Apesar das falsas acusações que sempre sofreu, nunca se demonstrou nada de errado na vida de Lula, porque ele sempre agiu dentro da lei, antes, durante e depois de ser Presidente do Brasil. Somente a ditadura ousou condenar e prender Lula, em 1980, com base na infame Lei de Segurança Nacional. Seu crime de “subversão” foi lutar pela democracia e pelos direitos dos trabalhadores. Desde a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em outubro de 2014, Lula tornou-se alvo de uma verdadeira caçada judicial. Agentes partidarizados do estado, no Ministério Público, na Polícia Federal e no Poder Judiciário, mobilizaram-se com o objetivo de encontrar um crime – qualquer um – para acusar Lula e levá-lo aos tribunais.Dezenas de procuradores, delegados, fiscais da Receita Federal e até juízes atuam freneticamente nesta caçada, em cumplicidade com os monopólios da imprensa e bandos de difamadores profissionais”. Mais adiante, diz o comunicado: “Nenhum líder político brasileiro teve sua intimidade, suas contas, seus movimentos tão vasculhados, num verdadeiro complô contra um cidadão, desrespeitando seus direitos e negando a presunção da inocência. E apesar de tudo, não há nenhuma ação judicial aceita contra Lula, ou seja: ele não é réu, mas seus acusadores, no aparelho de estado e na mídia, o tratam como previamente condenado. O resultado desse complô de agentes do estado e meios de comunicação é a maior operação de propaganda opressiva que já se fez contra um homem público no Brasil. É o linchamento jurídico-midiático e a incitação ao ódio contra a maior liderança política do País. Lula é perseguido porque não podem derrotá-lo nas urnas. E apesar da sistemática campanha de difamação jurídico-midiática, continua sendo avaliado nas pesquisas como o melhor presidente que o Brasil já teve, além de liderar as sondagens para uma futura eleição presidencial”. Na verdade, a julgar pelo clima existente hoje no Brasil, onde a Constituição Federal não oferece mais garantia a ninguém, o juiz Sergio Moro, com quem estão os processos montados contra Lula, não precisa da prova de nenhum crime para prender o ex-presidente, bastando a sua interpretação sobre a intenção dele em querer obstruir a Justiça. Moro disse, por exemplo, sobre alguns grampos no telefone de Lula, que “alguns diálogos sugeriam que o ex-presidente e associados tomariam providência para turbar a diligência, o que poderia colocar em risco os agentes policiais e mesmo terceiros", o que, segundo ele, já justificariam a prisão do líder petista. Ou seja, ele ainda não o prendeu porque não quis, porque tem receio da reação popular ou porque ainda não é o momento oportuno. Ao que parece está aguardando o desfecho do julgamento do mérito do impeachment pelo Senado para, então, tomar a decisão, pois a prisão de Lula agora pode incendiar o país e influenciar o voto dos senadores. O fato é que, depois que a Presidenta da República foi afastada do cargo sem nenhuma justificativa legal, no Brasil de hoje tudo é possível. Num país onde 20% dos integrantes da Câmara dos Deputados que afastaram a Presidenta são investigados por corrupção; onde o governo interino que a substituiu também tem parte do Ministério investigado por corrupção; onde não há necessidade de provas para condenar-se alguém, bastando o noticiário dos jornais (teoria do domínio do fato); onde a simples interpretação de intenção pode servir de base para a prisão de qualquer pessoa; onde prisões temporárias viram permanentes; onde réus confessos são premiados com a liberdade depois de delatarem os outros; onde um juiz de Primeira Instância tem jurisdição sobre todo o território nacional; onde o próprio Judiciário é acusado de acobertar um golpe que esbofeteou 54 milhões de brasileiros; onde a Constituição virou manual de trânsito; onde a mídia não tem compromisso com a verdade; e onde pesquisa de opinião retrata a opinião do dono do instituto, tudo é possível. Talvez porque estamos vivendo uma democracia de faz-de-conta.

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