terça-feira, 12 de julho de 2016
Lagrimas de crocodilo
Quase ninguém tem dúvidas de que a renúncia do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara Federal foi mera encenação, um teatrinho com choro e tudo devidamente ensaiado com o interino Michel Temer para salvar o mandato dele, conforme indicam as mais recentes manobras na Comissão de Constituição e Justiça. Com mandato, mesmo sem a presidência da Casa, Cunha obviamente continuará controlando a maioria dos parlamentares que lhe são fiéis, inclusive o novo presidente a ser eleito na próxima quinta-feira, de modo a assegurar uma base necessária ao governo interino de Temer. Só um tolo acreditará que ele está acabado. Além de pretender impedir a cassação do seu mandato, utilizando todo tipo de artifício que a sua experiência e ascendência sobre os demais deputados permite, Cunha também se mobiliza, junto com Temer, para escapar dos processos em andamento no Supremo Tribunal Federal, onde responde a dois inquéritos, entre outros nove procedimentos.
Coincidência ou não, a renúncia do comando da Câmara tirou Cunha do plenário do Supremo e o remeteu para a 2ª. Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes, onde os seus inquéritos deverão prosseguir, provavelmente em banho-maria até a conclusão do seu mandato, já que os processos contra ele no Judiciário estranhamente caminham a passos de cágado. Embora contra o parlamentar carioca pese uma enxurrada de acusações, incluindo recebimento de propinas milionárias, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, que envolvem também a sua esposa e filha em processos na Operação Lava-Jato, ele se comporta como se fosse imune a qualquer ação da Justiça. A verdade é que afora o seu afastamento da presidência da Câmara por decisão do Supremo, que praticamente em nada alterou a sua rotina de vida ou impediu as suas manobras no Legislativo, até hoje ele está incólume. Por muito menos o senador Delcidio do Amaral foi preso e perdeu o mandato, talvez por ser filiado ao PT. Cunha, porém, parece ter um guarda-chuva muito poderoso, além da proteção do próprio presidente interino.
As lágrimas de crocodilo, derramadas parcimoniosamente, não chegaram, porém, a comover os seus colegas da Câmara, a não ser aqueles que lhe seguem como cães fiéis. Apesar das manobras na Comissão de Constituição e Justiça, com a substituição de alguns dos seus membros, para garantir a rejeição do relatório que pede a cassação do seu mandato, tem-se a impressão de que dificilmente ele escapará da perda do mandato. Isto porque os deputados que não integram o seu grupo de marionetes já manifestaram a sua disposição de cassá-lo, convencidos de que a Casa ficará desmoralizada caso ele seja absolvido. A própria grande imprensa, que o apoiou na sua decisiva participação no impeachment da presidenta Dilma Roussef, já lhe tirou a escada, deixando-o seguro apenas no pincel. Ou seja, os jornalões também querem a sua cassação.
Fala-se, insistentemente, num acordão, patrocinado pelo interino Michel Temer, para salvar o mandato de Cunha, com a participação do PSDB de Aécio Neves, mas aglutinar forças em torno desse objetivo não está sendo tarefa muito fácil. Aparentemente o ex-presidente da Câmara perdeu muito do seu poder ao renunciar à presidência da Casa, o que não significa porém, que esteja liquidado. Considerando o seu conhecimento de segredos comprometedores de muitos políticos de vários partidos, não apenas do PMDB, inclusive do presidente interino, Cunha ainda enfeixa nas mãos um poder não institucional e mais devastador do que o de presidente da Câmara, o que lhe assegura o apoio de muita gente. Por isso é visível o interesse de certo número de parlamentares em salvar o mandato dele, pois se ele se sentir abandonado e decidir abrir o bico vai provocar uma implosão do seu partido, com consideráveis estragos no governo interino. Ele já disse que não vai delatar ninguém, mas também disse que não tinha contas em bancos suiços e que jamais renunciaria à presidência da Câmara. Quem acredita nele?
O fato é que Eduardo Cunha, que tanto mal fez ao país ao promover o impeachment de Dilma e consequente assunção de Temer à Presidência da República, está vivendo o seu inferno astral e provando do próprio remédio amargo que ministrou à Presidenta. É até possível que tenha comovido algumas pessoas que viram na TV as suas lágrimas escassas descendo diante das câmeras, mas a grande maioria do povo brasileiro quer a sua cassação, não tanto por ter viabilizado o afastamento de Dilma mas, principalmente, pela sua participação na corrupção que corrói o país. E muitos se perguntam: como alguém atolado até o pescoço na lama da corrupção pode promover o impeachment de uma Presidenta honesta? Como é que a mídia conseguirá sustentar um governo que, além de ilegítimo, tem um ministério investigado sob a acusação de corrupção? Para alguns observadores, a cassação de Cunha será o começo do fim do governo interino de Temer.
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