segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Cinismo dos golpistas

A hipocrisia e o cinismo já se consagram como a marca dos golpistas. Mesmo conscientes de que estão mentindo, eles continuam afirmando, cinicamente, que a presidenta Dilma Roussef cometeu crime de responsabilidade. O senador tucano Cassio Cunha Lima, por exemplo, que já foi cassado por abuso do poder econômico, assumindo uma pose de vestal declarou, para justificar o seu voto na Comissão do Impeahcment: “Ela cometeu crime, sim, violando a Constituição”. O relator Antonio Anastasia, com cara de bebezão e pose de juiz, escreveu mais de 400 páginas para dizer a mesma coisa. E a farsa da comissão, uma verdadeira ópera bufa, terminou com a aprovação do relatório, ignorando-se solenemente as perícias do Senado e do Ministério Público Federal, que atestaram a inexistência de crime de responsabilidade. Na verdade, todo mundo já sabia que o relatório recomendaria a continuidade do processo de impeachment e que o relatório seria aprovado, porque os golpistas não escondem o fato de que para eles pouco importa se Dilma é culpada ou inocente, pois o que pretendem mesmo é tomar o poder que não conseguem conquistar nas urnas. Tudo é uma vergonhosa encenação, onde os atores se movimentam com desenvoltura, habituados a mentir e a fingir, enganando os seus eleitores. Até Jesus, se descesse à Terra agora para declarar Dilma inocente, além de ignorado corria o risco de ser crucificado outra vez pelos fariseus golpistas, como o senador Cristovam Buarque, que disse pouco se importar com o julgamento que possam fazer dele por votar a favor do impeachment. Resta saber se ele manterá a mesma posição quando precisar de votos para reeleger-se. O fato é que, com a proximidade do julgamento do impeachment – farsa que poderia ter sido evitada se o Supremo Tribunal Federal cumprisse o seu papel de guardião da Constituição – intensificaram-se as manobras para garantir a sua aprovação no plenário do Senado. O presidente interino Michel Temer tem promovido jantares e encontros com senadores e até com o ministro Gilmar Mendes, num esforço desesperado para manter-se no poder, preocupado porque o afastamento definitivo da Presidenta, que antes era considerado favas contadas, nas últimas semanas começou a dar sinais de que poderá não acontecer. Temer não quer correr o risco de sair do Planalto pela porta dos fundos, junto com o grupo de conspiradores que com ele assaltou a Presidência da República e assumiu o poder, com a cumplicidade do Legislativo, do Judiciário e da grande imprensa. O primeiro resultado prático dessas manobras foi a antecipação, pelo presidente do Senado Renan Calheiros, da data do julgamento do processo no plenário, que passou de 29 para o dia 25 deste mês de agosto, mudança aceita pelo ministro Ricardo Lewandowski sem um gemido. Segundo notícias divulgadas esta semana, a antecipação foi solicitada por Temer para que possa participar da próxima reunião do G-20, no principio de setembro, já como presidente efetivo do Brasil. Rumores que circulam nos meios políticos, no entanto, dão conta de que o objetivo da mudança seria evitar que o deputado Eduardo Cunha tenha o mandato cassado antes do julgamento, para isso contando com a cumplicidade do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que já deixou evidente que “esquecerá” de marcar o dia da votação da cassação até depois da decisão do Senado. Temer estaria temeroso de que Cunha, cassado, decida abrir o bico e contar tudo o que sabe das suas ações e de outros peemedebistas, o que, evidentemente, influenciaria no resultado da votação dos senadores, lançando por água abaixo o seu sonho de ser Presidente. O segundo motivo para a antecipação parece mais condizente com a realidade. Cunha, que já sentiu a dureza da perda de poder e o isolamento decorrentes da sua renúncia da presidência da Câmara, sabe que se for cassado não conseguirá mais sequer falar com Temer, sobretudo se este for efetivado no Planalto. Além disso, com tantos processos nas costas, vai perder o foro privilegiado e correrá o risco de ser preso pelo juiz Sergio Moro que, aparentemente, está aguardando o desfecho do impeachment para pegar o correntista de bancos suíços. Até porque parece estranho que, com tantas provas contra o ex-presidente da Câmara envolvendo muitos milhões de dólares, a Justiça não tenha ainda decretado a sua prisão. Por muito menos, mais precisamente por apenas R$ 1,4 milhão de propina, o ex-deputado federal Luiz Argolo está preso desde abril do ano passado, condenado pelo juiz Moro a 11 anos de reclusão. Parece haver alguma coisa errada na avaliação da gravidade dos crimes praticados. Enquanto o deputado Eduardo Cunha, com todas as acusações e inquéritos que pesam sobre ele, continua “esquecido” da Justiça, assim como tucanos frequentemente apontados como recebedores de gordas propinas, outros acusados de crimes de menor gravidade – ou apenas citados por delatores ansiosos pela liberdade – são presos e condenados. Parece evidente a seletividade realizada pelo Judiciário na escolha dos que devem ser presos, independente do crime de que são acusados. E nessa escolha a coloração partidária tem um peso muito grande. O senador Aécio Neves, do PSDB, por exemplo, alvo de muitas acusações, nunca foi incomodado pelos investigadores, que se fazem de cegos e surdos às denúncias contra ele. Os alvos prediletos deles são os petistas, em especial o ex-presidente Lula, transformado em réu sob a acusação de tentar obstruir a Justiça. Este “crime hediondo” de Lula pode leva-lo à prisão, enquanto os milhões de reais de propina de que são acusados os tucanos não tem, na avaliação dos senhores donos da Justiça, nenhuma importância. Por isso o ex-presidente operário foi buscar justiça na ONU. E a deusa grega Temis, que simboliza a Justiça, continua com a venda nos olhos não mais para sugerir imparcialidade, mas por vergonha mesmo. Se a farsa do impeachment sem crime se confirmar, consumando o golpe, então não apenas a deusa Temis, mas todos os brasileiros que amam este país ficarão envergonhados dos seus homens públicos. E viverão um dos períodos mais negros da sua história, pior ainda do que na ditadura militar, onde se cometerá os maiores crimes em nome da democracia, como nas Cruzadas, que matavam em nome de Jesus. E se terá ainda as maiores demonstrações de cinismo, como do chanceler José Serra, que criticou a Venezuela por não observar a Constituição. O futuro será um enorme ponto de interrogação.

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