quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Anjo ou demonio

A entrada de Marina Silva na corrida sucessória presidencial, como decorrência do trágico acidente que matou Eduardo Campos, representou de imediato a garantia do segundo turno, motivo porque sua escolha para substituir o ex-governador pernambucano como cabeça de chapa recebeu o incentivo e o incenso da chamada Grande Imprensa. Um colunista chegou a dizer que seria burrice do PSB a sua não homologação como candidata. Até o tucano Aécio Neves, que vinha patinando no segundo lugar, defendeu a candidatura da ex-senadora acreana, convencido de que ela era a única esperança para levar o pleito para o segundo turno. E se desencadeou então, de imediato, uma gigantesca pressão para ungi-la representante do partido socialista nas eleições presidenciais de outubro. Com menos de uma semana após a unção de Marina como candidata, porém, a Grande Mídia – e mais particularmente a cúpula tucana – constatou o que analistas isentos já haviam antecipado: a presença da ex-seringueira no páreo, embora provocando o segundo turno, causaria mais prejuízos à candidatura do PSDB. E na primeira pesquisa de intenção de votos ela já ultrapassava Aécio no que foi classificado como “empate técnico”, acendendo o sinal amarelo de perigo no arraial tucano, cujas lideranças fizeram uma reunião de emergência para avaliar a inesperada situação e estudar uma nova estratégia capaz de impedir o senador mineiro de cair para o terceiro lugar. E o resultado dessa reunião já se fez sentir no final de semana: a Grande Imprensa começou a desqualificar Marina como candidata à Presidência da República. De repente, quase como num passe de mágica, Marina passou de anjo a demônio, justamente por se transformar no maior obstáculo à pretensão tucana de conquistar o Palácio do Planalto. E momentaneamente a Grande Mídia esqueceu a presidenta Dilma Roussef para concentrar seu fogo na ex-senadora acreana, a adversária a ser batida agora para desobstruir o caminho de Aécio Neves. Resultado: todos os veículos que integram a Grande Imprensa dedicaram grandes espaços em suas edições do fim de semana para bombardear a substituta de Eduardo Campos, acenando inclusive com a ameaça de impugnar a sua candidatura por conta da nebulosa propriedade do jato que matou o ex-governador pernambucano. Em reportagem de capa a revista “Veja”, depois de insinuar ser Marina uma miragem, destaca o que considera seus pontos fracos: oposição ao agronegócio e à construção das hidrelétricas do rio Madeira e Belo Monte, além de uma postura de dona da verdade. A matéria aborda ainda o racha no PSB, com a debandada de vários aliados de Eduardo Campos, afirmando que ela “tem a ineficiência como efeito colateral”. O redator-chefe da revista chegou a dizer que das condições para chegar ao poder ela só tem uma, o carisma, que não é suficiente para conquistar o Palácio do Planalto. A revista “Época”, por sua vez, investigou a situação do jato que a conduzia com o candidato do PSB em suas andanças pelo país e concluiu que a nova candidata do partido cometeu crime eleitoral ao usar um avião fantasma em sua campanha, sem nenhum registro junto à Justiça Eleitoral. O “Estado de São Paulo”, em seu editorial, depois de acusar os “marineiros” de pretenderem se apropriar do PSB, afirma que Marina “está longe de representar o legado de Eduardo”. O jornalão paulista lembra o racha que ela já provocou nos arraiais pessebistas e acrescenta: “É provável que o personalismo de Marina - que a sua aureolada imagem pública esconde - dê origem a novos atritos, em prejuízo do engajamento dos antigos eduardistas”. Após destacar que “procedem as dúvidas sobre como se haverá no poder uma pessoa que dá motivos para crer que se julga eleita por Deus”, o “Estadão” conclui afirmando que “Marina presidente é prenúncio de uma crise depois da outra”. Em outras palavras: ela serve para levar o pleito para o segundo turno mas não para governar o país. Não é, porém, apenas a Grande Imprensa que se esforça agora para afastar a ex-seringueira do caminho do candidato tucano à Presidência da República. O próprio Aécio Neves, que logo após o acidente com o jato que matou Eduardo clamava pela escolha de Marina para substituí-lo na corrida sucessória, agora decidiu também voltar seus canhões contra ela. Em pronunciamento no Ceará, referindo-se à questão da situação do avião, disse que "todos os homens e mulheres públicos têm que estar preparados para responder sobre tudo, a qualquer tipo de indagação. Esse é um problema sobre o qual o PSB vai ter que responder". E Tasso Jereissati, candidato tucano ao Senado, que o acompanhava, acrescentou: "Se o caso do avião pegar em Eduardo, pega em Marina também". Parece fácil concluir que a partir de agora vão todos concentrar o fogo no caso do avião, cuja situação está sendo investigada pela Policia Federal, pois imaginam que pode estar aí a solução para tirar Marina do páreo. O jornal “Folha de São Paulo” publicou reportagem sobre o tema e ouviu uma especialista em direito eleitoral, Kátia Kufa, presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral, que disse, entre outras coisas, que “se os gastos com o avião não forem declarados, isso pode configurar omissão de despesas e o candidato pode responder a uma ação por abuso de poder econômico”, com a conseqüente cassação da candidatura da ex-senadora acreana. Marina, portanto, acabou se tornando agora o principal alvo da Grande Midia. Seu erro: intrometer-se no caminho do candidato tucano.

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